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Aramis

200 anos depois, Danton é o exemplo de política

É realmente lamentável que a Assembléia Legislativa do Paraná nunca se tenha preocupado com os aspectos culturais de forma que (ao contrário do que acontece no Rio Grande do Sul, por exemplo) jamais houve naquela casa uma projeção cinematográfica. Aliás, o ex-deputado Oswaldo Furtado tentou conscientizar os parlamentares da importância de a Assembléia dispor de um auditório para eventos culturais mas os políticos paranaenses sempre estiveram mais preocupados com seus interesses eleitorais e particulares do que melhorar seus índices de conhecimento cultural. O lamento vem a propósito de quanto seria oportuno que a classe política assistisse a "Danton - O Processo Da Revolução" (14, 17 e 20 horas). Cinco anos após a sua realização e transcorridos 194 anos dos fatos ali registrados, este filme do polonês Andrzej Wajda não poderia ser mais atual. Política e eticamente, um filme com personagens reais que tendo vivido há 2 séculos, traduzem comportamentos que parecem dos mesmos políticos que, seja em Curitiba ou em Brasília, aproveitam-se do poder e, sempre falando em nome do povo, na verdade buscam discutíveis interesses de classes, em defesas de privilégios e posições pessoais. xxx Quando Wajda, 61 anos, diretor de filmes admiráveis como "Kanal", "Cinzas E Diamantes" e "Terra Prometida", realizou "Danton" na França, embora com a participação polonesa, enfrentava sérios problemas políticos em seus país, onde filmes como "O Homem De Ferro", e, especialmente "O Homem De Bronze", o tornaram "persona non grata". Assim, o conflito entre Georges Jacques Danton (1759-1794) e Maximilien Robespierre (1758-1794), retratado com uma visão marxista foi interpretado, por muitos, como uma simbólica alegoria dos conflitos contemporâneos (na época da realização do filme) entre o líder sindical Lech Walesa e o general Jaruzelski, ao combater o sindicato Solidariedade, com a mesma preocupação que Robespierre via na popularidade de Danton, criador do tribunal revolucionário (11 de março de 1793 - e que, contrário ao terror que se iniciava, apoiava o seu amigo, deputado e jornalista Camille Desmoulins (1760-1794), em denúncias feitas através do jornal "Le Vieux Cordelier". A ação de "Danton" se concentra em 1793/94, quando o processo de antropofagia entre os líderes da revolução começava a crescer, impulsionados pelo medo e interesses de facções que se degladiavam - e que conduziriam tantos a guilhotina, inventada em 1791 pelo médico Joseph Ignace de Guillotin (1738-1814). O roteiro de "Danton", desenvolvido pelo próprio Wajda em colaboração com Jean Claude Carriére, a partir do livro do polonês Stalislawa Przybyszewska é perfeito. As situações são colocadas de forma objetiva e mesmo com a longa duração do filme (136 minutos) e sua ação repleta de diálogos (e monólogos, na fase final) prende o espectador. Revisto hoje, quatro anos após sua primeira exibição no Brasil (em Paris, estreou a 12 de janeiro de 1983), adquire maior atualidade. O idealismo, a covardia, a coragem, a canalhice, os interesses de personagens que ficaram na história da Revolução Francesa refletem - e muito - o comportamento dos homens desta nossa Nova República, sendo possível, para um exercício de crônica política (pena que o inteligente e arguto Luiz Geraldo Mazza não freqüente mais cinemas, pois poderia fazer um belo comentário a propósito) no qual canalhas como Saint-Just (1757-1794), idealistas como Danton ou figuras conflituosas como Robespierre (inclusive, abordado em seu lado homossexual) podem ser transpostos para certas "personalidades" de nosso mundo político. Cinematograficamente perfeito, com atuações soberbas de Gerard Depardieux como Danton, o polonês Wojciech Pszoniack como Robespierre, Patrice Lucille Desmoulins (1771-1794), Roland Blanch como Lacroix. Wajda sabe ser irônico e cruel, inclusive no fecho do filme, onde ao som da excelente trilha sonora de Jean Prodomidés (executada pela Filarmônica de Varsóvia), um garoto recita para o ensandecido Robespierre, os princípios da Revolução Francesa - tão belos e idealísticos em sua formulação, mas tão desrespeitados pelos homens. Dois séculos depois, quando tantos fatos lembram neste Brasil-87 situações análogas, filmes como "Danton" deveriam ser exibidos obrigatoriamente a todos os políticos que, falando em nome do povo - mas com interesses tão desprezíveis e pessoais, repetem crimes e erros que atingem todas as revoluções. Como diz Jean François Lacroix (1754-1794), um dos deputados executados junto com Danton, na prisão, referindo-se ao sujo processo usado para condená-los: - "Seremos mortos porque o nosso processo é político. E a política nunca significa justiça".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
15/04/1987

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