"Além Da Paixão", o conto moral de Bruno
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de março de 1987
Se "O Cinema Falado" provocou, ao ser exibido hors concours no FestRio-86, polêmicas e discussões, "Além da Paixão", de Bruno Barreto quando mostrado no encerramento do II FestRio, provocou apenas vaias e decepção. Realmente, para quem vinha apostando no talento de Bruno Barreto ("Tati, a Garota", 1973; "A Estrela Sobe", 1974; "Dona Flor e Seus Dois Maridos", 1975), o seu novo filme foi mais frustrante do que "Amor Bandido" (1978) ou mesmo "Gabriela" (1982), fracasso de público e crítica.
A decepção foi tão grande que o astuto produtor Luís Carlos Barreto, pai de Bruno, decidiu retardar o lançamento do filme. Houve uma remontagem, mudança do final e, passada a fase negativa provocada pela primeira visão, o mesmo voltou a ser exibido. Claro que não fez o sucesso esperado, embora, repensado mais demoradamente, pode até merecer atenção.
Como sempre, Bruno é caprichoso em seus filmes. Esmerada fotografia de Afonso Beato, figurinos de Viviane Sampaio, ótima música de César Camargo Mariano e um bom elenco - com Regina Duarte, Ivan Setta, Felipe Martins, Maria Helena Dias e, em participações especiais, Flávio Galvão, Flávio São Thiago e Patrícia Bisso.
O próprio Bruno admite que desenvolveu a história - roteirizada por Antônio Calmon - a partir de um sonho (ou pesadelo?). E é como um sonho que começa a via crucis de Fernanda (Regina Duarte), que num acidente de trânsito atropela um travesti, Miguel (Paulo Castelli), com ele envolvendo-se numa louca paixão - abandonando o marido, um próspero advogado (Flávio Galvão) e dois filhos (Bia e Pedro).
Propositalmente, Bruno fez um filme provocador: até aonde a porraloquice de uma mulher rica, bonita e feliz pelos aspectos tradicionais, se dispõe a jogar tudo para o alto e viver uma aventura com marginais?
A história parece absurda, mas, pouco a pouco, Bruno tem procurado explicar o filme, dizendo, por exemplo, que "Além Da Paixão" procura falar de uma maturidade afetiva, "espetacular sobre uma possível maturidade afetiva, se é que isso existe".
Bruno, 34 anos, não aceita uma leitura moralista de seu filme.
- "A mulher, Fernanda, depois de viver tudo o que vive, não é punida, ao contrário: tudo faz parte de um momento de crise de crescimento dentro do casamento dela. Um casamento, uma relação só consegue ir adiante e ser uma coisa construtiva, mais duradoura e conseqüente se os percalços, os acidentes, os problemas que acontecem dentro dele são vistos como parte desse relacionamento e não como coisas que vão acabar definitivamente com ele".
Sem ter uma pretensão intelectual irritante como Caetano em seu filme - ao contrário, realizando uma narrativa atraente e bem cuidada, Bruno faz de seu filme também polêmico a sua maneira. E que, independente de preconceitos, merece ser visto. Afinal, ele tem uma explicação bem "cinematográfica" ao seu filme:
- " 'Além Da Paixão' é um conto moral, assim como os filmes de Eric Rohmer ou de François Truffaut, a quem ele é dedicado. É como um soneto, fechado, redondo, que se completa e que tem uma moral no final".
LEGENDA FOTO - Regina Duarte e Paulo Castelli em "Além Da Paixão", de Bruno Barreto, em exibição no Ritz.
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