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Aramis

Alverecer Nativista (VII)

De todos os festivais musicais que se realizam no Rio Grande do Sul, nenhum é mais mais original do que o chamado "Festival da Barranca". Fechadíssimo na organização, só admite convidados especiais dos organizadores e é exclusivamente destinado a homens. Durante a Semana Santa, uma centena e meia de compositores, intérpretes, jurados e convidados especiais de Os Angueras, que mais do que um grupo tradicionalista é hoje o mais fechado e forte clube social de São Borja. Lederado por um dos mais conhecidos poetas gaúchos, Aparício Silva Rillo, os Angueras já gravaram um elepê e, bissestamente fazem apresentações. A renda fica em caixa para suprir as despesas do Festival da Barranca, que tem comida, bebida (muita bebida!), e toda a infra-estrutura totalmente bancada pelos anfitriões. Em compensação, exige-se dos convidados uma discrição total em relação ao local do festival - geralmente um pesqueiro às margens do Rio Uruguai e, especialmente, não irem acompanhados de mulheres. É dado um tema para os concorrentes comporem em 24 horas uma música. Escolhida as melhores, então os vencedores vão até o centro de São Borja, apresentam-se para a população, em praça pública, e retornam ao local da Barranca em que os companheiros esperam. Uma bebemoração ao longo de quatro dias, com muito consumo de churrasco - o que para os mais católicos, constitui um sacrilégio. Afinal, o festival realiza-se há 14 anos, sempre na Semana Santa. Aparício Silva Rillo, 63 anos, é autor de 14 livros, inclusive dois volumes de "Rapa de Tacho", antologia de contos gauchescos que estão entre as obras mais vendidas só perdendo para os de Luis Fernando Veríssimo (que ao contrário de Rillo, já tem mercado nacional). Próspero corretor de imóveis, confessa que agora poderia viver tranqüilamente de seus direitos autorais: tem algumas dezenas de músicas gravadas (é letrista) e além de "Rapa de Tacho", tem outros livros de sucesso. Há poucas semanas, saiu seu novo livro de poesias ("12 Mil Rapaduras e Outros Poemas", 87 páginas, Tchê Editores), enquanto o terceiro volume de "Rapa de Tacho" está sendo lançado agora na Feira Estadual do Livro, em Porto Alegre - na mesma ocasião em que a Tchê Editores coloca 18 novos títulos na praça. Em seus trajes típicos de gaúcho da fronteira, sempre ao lado de sua simpática esposa, dona Suzy, Aparício Rillo é presença indispensável nos mais importantes eventos nativistas. Sempre requisitado a explicar as características do Festival da Barranca, recebe insistentes pedidos de pessoas interessadas em participar. Até agora, somente o jornal "Tchê" - uma espécie de "Pasquim" gaúcho que o jornalista Ayrton Ortiz edita desde fevereiro de 1981, conseguiu fazer uma grande reportagem do festival - acompanhando-o em todos os detalhes. Melher, nem pensar! Durante o Musicanto, em Santa Rosa, a jornalista Dulce Tupy, do "Jornal do País" e "Visão", tentou uma exceção. Ouviu um sonoro não e uma correta explicação: - "O festival é só para homens. A presença feminina inibiria os participantes, que ficam à vontade, podem contar os mais cabeludos causos e, especialmente beber muito... Os compositores de maior destaque são convidados a participar da parte musical - que só oferece prêmios simbólicos. Entretanto, alguns não concordam com a característica extremamente machista do festival. Leonardo (Jader Moreci Teixeira), vencedor da Califórnia em 1982 com seu "Tertúlia", é um deles. Explica: -Eu acho o festival muito fechado e, pessoalmente, prefiro sempre os aplausos de prendas do que a de machos. Portanto, a Barranca não me atrai... O festival da Barranca nasceu em 1972 durante uma pescaria de um grupo de amigos de São Borja, organizado durante a Semana Santa. Foi crescendo e hoje já é notícia nacional - apesar de se manter fechadíssimo. Silva Rillo diz: -"Os convites são pessoais e intransferíveis. E para participar o convidade tem que ser aceito pelo grupo". No II Musicanto, em Santa Rosa, Aparício Silva Rillo participou com a música "Gaúcho Bronze", parceria com Mário Barbará (29 anos, vencedor de inúmeros festivais). Um canto ufanista em louvor ao "Gaúcho Ideal"(Olhar no horizonte/ A vincha na fronte/o laço na mão.../ nas botas/ "garrão-de-potro"/ As rosas da espera/Dão D'Alvas da aurora/estreladas no chão"). Apesar de chegar à finalíssima, no domingo, a música acabou sem nenhuma premiação. A enaltação ao gauchismo está sempre presente nas músicas que participam dos festivais nativistas. No Musicanto, esta temática se observou em "Combatentes" de Dilan Camargo/ Celso Bastos (defendida por Victor Hogo, 21 anos, melhor intérprete do festival); "Ansia Estradeira", "Gaúcho", "Haragano","Unos" e, especialmente, no belíssimo "O Campeador e o Vento" - parceria de Luiz Coronel e o paulista Renato Teixeira. Coronel, 41 anos, dono de uma das melhores agências de propaganda do Rio Grande do Sul, tem valorizada obra, muitas premiações e a famosa série de canções "Gaudêncio Sete Luas". Respeitado em todo o Estado pelo seu belo lirismo, divide-se com vários parceiros - e, sem preconceito, somou agora também a participação de Renato Teixeira, que, inclusive deveria ter participado do "Musicanto".Em "O Campeador e o Vento" há belos versos como: O campeador não tem pressa Na sua vida ao relento Pro tempo não há esporas Não há rédeas para o vento. FOTO LEGENDA - Victor Hugo, melhor intérprete do Musicanto
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
25/10/1984

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