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Aramis

Ângela, algo mais do que só cantar

Nana Vasconcelos, hoje um dos percussionistas brasileiros mais famosos na Europa - e que depois de dividir com Egberto Gismonti o melhor lp instrumental em 77, "Dança das Cabeças", está tendo agora dois elepês, onde é solista, lançados no Brasil, no primeiro pacote da ECM distribuído pela Warner, há alguns anos era um modesto percussionista cuja presença ninguém prestou maior atenção durante um fim-de-semana no Paiol. Ao seu lado estava um cantor iniciante chamado Fagner e músicos como Chico Batera, Novelli (guitarra) e Wagner Tiso (piano), e mesmo sendo Nara Leão, a estrela já conhecida, o show fracassou. Hoje, seria praticamente impossível reunir este mesmo grupo. Portanto, o artista hoje desconhecido que passa pela cidade e, muitas vezes, não merece maior atenção do público, mesmo da dita faixa "jovem e interessada", pode, a curto prazo, se tornar um superstar. A nostalgia musical é necessária para se chamar atenção em torno da estréia de hoje à noite, no mesmo Paiol: Ângela Ro Ro. Embora, desde novembro do ano passado, quando a Polygram lançou seu primeiro elepê, exclusivamente com músicas próprias, esta carioca de 30 anos, 15 de intensas experiências existenciais tem merecido simpáticas matérias em revistas e jornais nacionais, mas ainda é desconhecida para muitos. Nenhuma de suas músicas - todas de extrema densidade - estouraram na parada, mas, entre a meia centena de mulheres que foram colocadas no mercado fonográfico brasileiro, em 1979, Ângela é um caso à parte. Há alguns meses, quando passou por Curitiba, apenas para divulgar o seu disco, ao longo de uma das mais pungentes gravações de depoimentos, entre tantos que temos feito com personalidades nacionais e internacionais, já nos emocionava. Assumindo todas suas experiências, inclusive das mais pesadas (alcoolismo, tóxicos, bissexualismo, etc.), Ângela Maria Diniz Gonçalves - homônima "Pantera de Minas", é muito mais do que a Maysa dos anos 80, como muitos pretendem rotulá-la. É bem verdade que fisicamente tem a mesma beleza interior e exterior da inesquecível Maysa Monjardim (6/6/1936 - 22/1/1977), como ela compõe suas músicas, faz as letras, assume integralmente os amores. Mas pertence a uma outra geração, igualmente conflituada, questionando valores, não temendo dizer o que pensa - atitude rara em nossos dias de concessões e temores de tantos, que buscam meias palavras, panos quentes, para serem sempre simpáticos. Pianista de formação clássica, quatro anos de extrema curtição européia - entre Itália, Bélgica e Londres, onde foi hippie, lavadora de pratos e cantora de blues, ao estilo de Janis Joplin (1943-1970) no pub Wolsey's, na Kings Road, deram a Ângela Ro Ro - o apelido vem de sua voz rouca, quando ainda adolescente - uma visão universal das pessoas e da música. Quem soube ouvir, com atenção, seu elepê, pode sentir em cada faixa, um pouco de si, de uma entrega corajosa, falando do que sentiu e sente. Só isso, já faria com que Ângela merecesse admiração e respeito, mas ainda tem um extremo talento, o que, esperamos, possa transmitir nos espetáculos que fará no Paiol, neste fim de semana. A falta de uma maior experiência em palcos - com exceção de shows eventuais e uma temporada na sala Funarte, no Rio de Janeiro - é praticamente uma estreante, é compensada por sua coragem de assumir-se integralmente. Por coincidência, no número de abril de "Playboy", que está nas bancas, o jornalista Ruy Castro, com seu estilo tão cáustico quanto delicioso, traça seu perfil ("Saiam de baixo! Chegou Ângela Ro-Ro"). Aos puritanos, e hipócritas, talvez choque muito do que Ângela diz, de seu bissexualismo assumido ("Angela se levanta, estica a perna dentro da malha vermelha e mostra um Topper branco, nº 36: "Olha aí, o único sapatão da música popular brasileira que usa tênis e assume!"). Cada palavra de Ângela, seja ao vivo, como no belo depoimento, que nos prestou há algum tempo, ou em suas outras entrevistas, revelam uma criatura humana que tem muito a dizer e que por isso mesmo, como escreveu Ruy Castro, se destacou no ano passado, "no meio de uma horda de cantoras e compositoras estreantes", quando houve quem pensasse "que ela seria engolida por outras mais jovens, mais bonitas e, hmm, mais dóceis. Mas só pensou assim quem não a conhecia dos bares do Baixo Leblom, em cujas mesas ela protagonizou intensos agitos nos tempos do desbunde e criou a fama de abater com uma simples frase, com o seu humor seco como um martini e com sua voz afinada numa caverna, todo mundo que não lhe agradasse. E, por todo mundo, leia-se todo mundo mesmo". A Polygram aposta muito nela e para Carlinhos de Oliveira, o cronista do JB, já é uma de suas "ayatolettes", enquanto o irreverente Telmo Martino a classifica de "deusa do after dark". Mas as adjetivações se tornam desnecessárias perante sua presença, sua força. E por isso mesmo, entre tantas opções de entretenimento - a temporada de Angela Ro-Ro, no Paiol, merece ser prestigiada. Afinal, pode ser que agora não lote a casa. Mas, pode ser que sua fama cresça tanto - e tão rapidamente - que em sua próxima temporada curitibana, já tenha um show bem mais sofisticado, digno de casa completa no grande auditório do Teatro Guaíra. Talento, para tanto, não lhe falta! LEGENDA FOTO : Ângela Ro Ro: algoo mais.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
6
10/04/1980

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