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Aramis

Art Blakey, com exclusividade

Apesar da tarde chuvosa e cinzenta de domingo, o baterista Art Blakey (Abdulah Ibn Buhaina, Pittsburg, 1919), fez questão de conhecer um pouco de Curitiba. Enquanto seu empresário, Joe Greene, junto com a produtora nacional dos espetáculos, Gaby Leib, checava o equipamento no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, mostramos um pouco da cidade para o líder do Jazz Messengers. Mais do que um simples interesse turístico em conhecer uma entre centenas de cidades onde, em 43 anos de atividades profissionais, tem se apresentado, Blakey queria saber muito sobre Curitiba por uma preocupação familiar: no próximo ano, o seu único neto, Mike, 17 anos, virá estudar em nossa cidade. O próprio Art não sabe precisar porque o jovem interessou-se em vir para o Brasil - e especificamente para Curitiba, mas o seu entusiasmo é grande, "tanto é que já está estudando português há 10 meses". Casado 3 vezes, 12 filhos (5 adotivos), Blakey passa uma média de 10 meses por ano viajando por todo o mundo, com seus Jazz Messengers. Nos dois meses que permanece nos EUA, só deixa a sua casa em Northfield, New Jersey, para gravações e (poucos) concertos. Em Northfield, é proprietário de uma livraria, "Book Ends" (1346, Tilton Road), onde vende livros de arte e artesanato. "É administrada por meus filhos, que têm queda para os negócios" explica. Homem culto, preocupado com a ecologia e apreciando sobretudo observar arquitetura antiga, Blakey gostou muito de Salvador. Em Curitiba, embora o tempo tenha sido curto, mostrou-se surpreeendido com a cidade, "bela e simples, como um bonito tema de Thelonious Monk" disse ao passar pela Rua das Flores, em direção a Confeitaria Iguaçu onde, ao entardecer, apreciou um peixe "a Ilha do Mehl", acompanhado de um litro de Acquasantiera, branco e gelado, "maravilhoso, tão bom quanto os vinhos da Califórnia". Nenhum dos presentes no restaurante da família Mehl, naquela hora, reconheceu no velho negro, cabelos brancos, uma aparência de "Pai Tomaz", um dos maiores instrumentistas vivos do mundo. Trabalhando muito e viajando bastante, Art orgulha-se de "serem incontáveis" os instrumentistas que começaram em seu grupo, Jazz Messengers, criado em 1948. "Há pessoas que vivem para tocar: eu não vivo sem tocar", diz explicando o seu entusiasmo cada vez que se senta na banqueta de sua bateria, instrumento que "pilota" como um az da fórmula 1. Espalhados por muitos países, Blakey já gravou nada menos que 372 álbuns, "dos quais não possuo quase nada: minha esposa é que está tentando fazer uma coleção". Sua terceira mulher, uma nipônica que conheceu em Toquio há 9 anos, o entusiasmou pelo Japão: todo ano, vai àquele país com o seu grupo e, orgulha-se de "falar suficiente o japonês, para ser entendido". Sua esposa cursa medicina e por isso não pôde acompanhá-lo ao Brasil. Em fevereiro/78, quando tenciona retornar, quer fazer um disco no Brasil. "Então virei com mais tempo, trazendo meu filho, caçula, de 7 anos". Da abertura, com "Jodi" ao encerramento com "Ronnie's Dynamite Lady", ambas composições do pianista Walter Thomas David (Richmond, Virgínia, 1938), desde 1959 integrando o grupo Jazz Messengers, o concerto de domingo à noite, no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, foi um dos acontecimentos musicais mais belos ocorridos em Curitiba. O sexteto de Blakey, perfeito em todos os instantes, apresentando o jazz mais criativo - surpreendendo o público com os temas próprios, como "Uranius", "Malibu", "Gypsy Folk Tales" e "Backgammon", ou fazendo os espectadores reconhecerem as notas de clássicos como "Body and Soul" ("uma homenagem ao meu amigo Coleman Hawkins", disse Art) , "Paper Moon", "Round About Midnight" e, principalmente, "Blue Moon". Músico consagrado, que sempre se orgulhou de estimular os jovens valores, Blakey permaneceu tranqüilo, como um regente em sua bateria, deixando a vontade os extraordinários instrumentistas, em solos antalógicos: Joe Gardner no pistom, Bob Watson no sax alto, Walter Davis ao piano, Dennis Irwin no baixo e, principalmente, Davi Schnitter (29 anos de idade, há 2 com Blakey), no sax-tenor, mas também mostrando vocalizações em "scats", como ao solar "Geórgia". Walter Davis, um pianista gordo e bem humorado, como Blakey também compositor inspiradíssimo (só nesta temporada no Brasil já criou sete novos temas), encerrou o concerto (que só não teve números de bis, devido a falta de entusiasmo da fria platéia curitibana) com uma romântica homenagem a sua mulher, a fotógrafa Ronnie Lecenver, "musa inspiradora de Ronnie's Dynamite Lady", que o acompanha nesta viagem ao Brasil. As 25 pessoas que se encontravam, á uma hora da madrugada de domingo no restaurante Mouraria, tiveram o raro privilégio de assistir um jam-session que dificilmente se repetirá: o pianista David e o sax-tenor Dave Schnitter entusiasmaram-se com o swing do pistom de Helinho (Hélio Luis Novaes, 34 anos), a guitarra de Perico, os teclados de Odair, a bateria de Carbureto e o baixo de Walkir e, subindo ao palco, deram uma "canja" de mais de meia hora - a tal ponto que os pratos pedidos ao maitrê acabaram esfriando na mesa, enquanto, eles, junto com os músicos brasileiros - sem precisar falar uma única palavra, estabeleceram o mais sincero diálogo: pelas notas musicais. Foi uma "jam-session" tão inesperada quanto rápida, mas que, para os instrumentistas que dela participaram e os poucos e privilegiados espectadores, permanecerá inesquecível. Às 20 horas que Blakey e seus Jazz Messengers permaneceram em Curitiba (chegaram às 16 horas de domingo e ontem cedo partiram para Porto Alegre, onde se apresentaram à noite) devem ser anotadas em nossa pobre história do jazz. Como momentos dos mais felizes, pela oportunidade de se conhecer de perto um instrumentista - compositor da dimensão de Duke Ellington, Charlie Parker e Louis Armstrong. E, como são as pessoas de real valor, homens admiravelmente simples e amigos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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22/03/1977

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