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Aramis

A arte da flauta, violão e piano que poucos aplaudiram

Pouco mais de 100 pessoas - perdidas no imenso Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto - assistiram na noite de sexta-feira, 29, um dos melhores espetáculos instrumentais da MPB que ainda este ano estará sendo levado a platéias européias e, possivelmente, em princípios de 1992, ao Japão. Infelizmente, como havíamos aqui previsto na semana passada, a única apresentação do flautista Altamiro Carrilho - comemorando seus 50 anos de carreira - ao lado dos amigos Sebastião Tapajós (violão) e Gilson Peranzetta (piano) não teve o público merecido. Em compensação, em termos artísticos, o concerto foi impecável, com um repertório sincronizadíssimo, inclusive dois choros inéditos de Altamiro, que aos 67 anos, esbanja uma juventude e criatividade que o faz compor mais de 15 músicas ao mês. O "recital" - e o termo para o espetáculo é mesmo este - veio também mostrar a dignidade de um jovem empresário artístico, Pedro Paulo Carneiro, 30 anos, baiano de Salvador com vivência em múltiplos países (*), que teve seus méritos reconhecidos pelo próprio Altamiro durante o concerto: - "Pela primeira vez em meus 50 anos de carreira tive a emoção de receber flores e um agradecimento prévio por parte do produtor do espetáculo. Algo que, sinceramente, nunca imaginei!". Mesmo arcando com um prejuízo acima de Cr$ 3 milhões, Pedro Paulo Carneiro pagou os cachês (US$ 1.500 a cada um) a Altamiro, Sebastião e Gilson ainda no Rio de Janeiro, cobrindo todas as despesas e inclusive - outro fato inédito - colocando um carro a disposição dos músicos, para conduzi-los e buscá-los no aeroporto do Galeão. Em Curitiba, o empresário honrou todos os compromissos, elegantemente, inclusive evitando externar críticas a administração da Fundação Teatro Guaíra. Verdade seja dita! Ele havia solicitada a data há mais de duas semanas mas somente na quarta-feira, 27, teve a confirmação para assinar o contrato. Ingênua e idealisticamente - aí está o seu engano pelo qual pagou tão caro - acreditava que com a divulgação do evento na imprensa, a "culta, refinada e exigente" platéia que uma (mentirosa) imagem publicitária criou sobre o público de Curitiba, garantiria a lotação do teatro. Pedro Paulo, vejam só, acreditou que o encontro no palco de três virtuoses da dimensão de Altamiro, Tapajós e Peranzetta - que anteriormente só haviam feito juntos três apresentações no "People's" (um dos melhores endereços musicais do Rio de Janeiro) motivaria o público. Mesmo evitando ser deselegante, o empresário teve que reconhecer o que há muitos anos temos aqui alertado: a platéia curitibana, dita "culta e exigente", é manietada via o consumismo imposto pelas redes de televisão e marketing massificante, o que pode ser provado por uma longa relação de eventos, concertos, filmes, produções teatrais, etc., do mais alto nível, que aqui fracassaram em termos de público. Apesar do prejuízo de quase US$ 100 mil, Pedro Paulo mostra-se ainda disposto a tentar trazer outros espetáculos de igual nível. Um deles, para o qual tenta conseguir a data de 10 de novembro do Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, seria comemorativo aos 50 anos de profissão do maior executante de harmônica do Brasil, o incrível Maurício Einhorn, ao lado do glorioso Sivuca, e, novamente, Gilson e Sebastião Tapajós. Um espetáculo, aliás, que há dois anos, no Paiol - quando Gersinho Bientinez sabia programar aquela casa (hoje um calendário artístico em decadência) superlotou o espaço por três noites. xxx Mesmo com um público reduzidíssimo - apenas 67 ingressos vendidos e 46 convites distribuídos (sobre os quais a direção do Guaíra cobrou 15% mais a taxa do Ecad), o astral do concerto foi tão positivo que os virtuoses fizeram questão de esticar a noite jantando no Beduíno (Rua Alberto Bollinger, 426), um dos poucos restaurantes da cidade que graças ao entusiasmo de seu proprietário, Erasmo Azevedo, vem prestigiando bons músicos da cidade em apresentações todas as noites (**). Ali, uma jovem e escultural loira, 23 anos, Sônia Barros, 1,80m de nórdica beleza, estudante de flauta, fez mais do que simplesmente pedir um autógrafo ao seu ídolo Altamiro Carrilho: lhe mostrou sua paleolítica flauta, que apesar de parecer um despojo da guerra da Criméia, ainda emite sons. Pacientemente, Altamiro mostrou que é "luthier": com um canivete, uma chave e muita habilidade, afinou o instrumento para que a jovem pudesse mostrar o seu talento. Só que, ruborizada e emocionada, a bela loira não conseguiu encorajar-se a tentar tirar o menor som. xxx Depois de ter o seu último álbum - comemorativo aos 50 anos de carreira (edição Vison) esgotado somente no Rio de Janeiro, Altamiro estuda proposta de Mahyrton Bahia, diretor artístico da Polygram, para ali retornar. Com 65 elepês, mais de uma centena de 78 rpm, cerca de mil composições, Altamiro é um dos músicos mais conhecidos do Brasil, tendo uma obra ampla e diversificada. Há poucas semanas, a Polygram lançou em CD o elepê "Bem Brasil", produção de 1983. Material para novos discos não falta: só no mês de junho, Altamiro compôs 12 choros, formando uma verdadeira sinfonia. Também Sebastião Tapajós, 47 anos completados no último dia 8 de junho, tem uma discografia expressiva: 46 elepês gravados no Brasil, Argentina, Alemanha e Japão, onde acaba de sair seu último álbum "Reflexos", o segundo que faz com Gilson Peranzetta, carioca, 45 anos completados dia 21 de abril, 12 elepês instrumentais em 10 anos de carreira solo (durante 8 anos foi o maestro arranjador de Ivan Lins). Sebastião e Gilson já fizeram duas temporadas no Japão - a última em junho último, apenas para lançar "Reflexos", que por enquanto permanecerá inédito no Brasil. Os japoneses gostaram tanto da dupla, que já encomendaram a produção de um novo disco. E entre outros produtores que desejam gravar um álbum com Tião, Gilson e Altamiro, está Peter Klein, da Cajú Music, que vem se preocupando em lançar a melhor música instrumental brasileira. Notas (*) Filho do embaixador Paulo Carneiro, durante anos o representante do Brasil na ONU e que foi um dos fundadores do Conselho Nacional de Pesquisas, Pedro Paulo morou em muitos países e como produtor artístico tem uma longa folha de serviços, incluindo discos e programas de televisão. (**) Gerson Bientinez, 37 anos, que em parceria com Gerson Fiesbein, compôs "Bastidores" - finalista do Festival Carrefour de MPB, é o diretor artístico do "Beduíno", que tem uma programação musical diversificada todas as noites. Ali, às sextas-feiras, apresenta-se a cantora Gisela, acompanhada pelo seu marido, o pistonista Saul. Com boa música ao vivo, atraindo os melhores músicos da cidade, as "canjas" acontecem neste ambiente, movimentando o que só precisa melhorar o seu sistema de som. Para lembrar os áureos tempos do "Bebedouro", a melhor casa musical que Curitiba conheceu nos anos 70.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
05/09/1991

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