Arte maior de Teca Sandrini
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de julho de 1987
Os desenhos e pinturas de Estela Sandrini dizem muito. São figuras estranhas, animais exóticos, bicos compridos - imagens que permanecem na retina de quem sabe apreciá-las. São fortes e belos e hoje já se espalham pelas melhores coleções do País - e mesmo no Exterior.
A exposição que inaugurou ontem, na Casa da Cultura em Florianópolis - Museu de Arte de Santa Catarina, dirigido por Harry Laus, dividido com trabalhos de Guida Soifer, representa mais uma importante mostra no já respeitável curriculum da querida Teca, a grande premiada do último Salão Paranaense de Belas Artes.
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O trabalho de Estela Sandrini é de tão boa qualidade que Rheda Abramo, crítica das mais respeitadas e que por isto mesmo é econômica em elogios e textos de apresentação, fez questão de fazer o texto de apresentação da exposição. Um texto que bem diz da arte de Estela e que merece transcrição.
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"O repertório dos signos empregados por Estela Sandrini é o repertório da vida cotidiana da mulher. Ela o exalta, tornando-o centro de interesse psicológico e lugar da criação artística. Panelas, gavetas, cadeiras, material do combate culinário; e sobretudo, a figura da mulher absorta, envolvida, imersa, mesclada a todos estes aparatos da vida, constrói o discurso plástico eloqüente, inquieto, crítico e mordaz da artista.
A imagem feminina está fundamentalmente ligada à matalotagem doméstica. A obra de Estela Sandrini é a representação da obra da mulher, encimada e emparelhada a esses signos sustentadores do alimento, da comida feita, do cuidado, do lar acolhedor, do abrigo, do nascimento, dos pesadelos e dos sonhos, das fraldas, descartáveis ou não, do liqüidificador, da espera do marido esperado. É um universo, um mundo, reproduzido na cozinha, na cama, na esperança de tornar a repetição enfadonha do refazer tudo diariamente como se fosse a primeira - ou a derradeira - vez. Uma gaveta pode estar semi-aberta, deixar entrever qualquer coisa: outras estão fechadas. Nem tudo deverá ser percebido; o recato obriga à ocultação das mágoas.
O desenho do artista, riscado com volúpia, faz de seus personagens um misto de seres animais. Na gravura ela grifa as linhas com maior doçura, deixando claros iluminados, em confronto com o traço decisivo, construtor das formas de suas composições plásticas.
Entendo que Estela Sandrini é uma das mais admiráveis artistas do País, possui uma técnica exemplar, revela um profundo respeito em relação ao seu próprio trabalho e acima de tudo engendra uma atividade estética com um repertório - panelas, cadeiras, potes, gavetas - pouquíssimos exaltados na arte e não reconhecidos como merecedores de alguma atenção nos embates diários da existência. Os trabalhos de Estela despertam a nossa admiração pelo profissionalismo técnico, e são, ainda, espelhos de nossa crítica, desconhecida, desvalorizada e ridicularizada epopéia feminina.
E, que ninguém nos ouça: amamos nossas panelas, as cadeiras da cozinha, os potes de sal e de farinha, porque elas são, na verdade, os nossos mais chegados amantes, com os quais dividimos, dia-a-dia, a nossa vida para a perpetuação da humanidade.
É belo e verdadeiro o trabalho de Estela Sandrini".
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A exposição de Estela é dividida com os trabalhos de Guida Soifer. O texto de apresentação de Guida é assinado por Adalice Araújo, crítica e diretora do Museu de Arte Contemporânea. Que diz: "Guida pratica um trabalho de cunho intimista, transformando recantos de sua casa, detalhes de seu quarto, do seu banheiro, cantos da sala, em um universo. De uma espécie de hiper-realismo de cunho poético e nostálgico da fase anterior, passa agora para propostas mais livres, que continuam, porém, nos fascinam por seu lirismo".
LEGENDA FOTO - Guida: valorizando o simples.
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