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Aramis

Assim falou Guarnieri

Exemplo de vitalidade e em plena fase criativa, Camargo Guarnieri, 80 anos - a serem completados no próximo dia 1º de novembro, fez questão de vir a Curitiba, ontem a noite, para o concerto da Orquestra de Câmara de Blumenau. Afinal, a lembrança do maestro Morozowicz em homenageá-lo no álbum "Villa Brasil", incluindo-o ao lado de Villa-Lobos e Francisco Mignone - como representante de uma grande geração de compositores brasileiros - o levou a oferecer uma obra a Norton, "Improvisações", para flauta e cordas, que tem sua estréia mundial nesta gravação patrocinada pela BASF - e que, em concerto, teve ontem sua primeira apresentação no SESC da Esquina (hoje, 21 horas, no auditório da Reitoria, a Orquestra de Câmara de Blumenau faz um novo concerto, com o mesmo programa). Norton Morozowicz confidencia que a vitalidade de Camargo Guarnieri o impressionou desde que se tornaram amigos. Casado várias vezes, apreciador de bons pratos, de uma boa caipirinha e de um vinho branco, "Guarnieri é capaz de enfrentar qualquer programa em matéria de esticada etílica noturna, desde que a companhia o agrade", diz Norton, entusiasta admirador do grande compositor. Por modéstia, Camargo Guarnieri não gosta de usar deu primeiro nome: Mozart. Filho de um humilde barbeiro, que viveu por muitos anos no bairro da Barra Funda, Guarnieri começou a trabalhar ainda garoto - como pianista no cinema Rio Branco e também num bordel chamado "Pianca Perla", na Rua Xavier de Toledo, em São Paulo, conforme recordou em longa entrevista ao jornalista Carlos Roque, na "Interview" (nº 100, edição especial, 369 páginas, Cz$ 100,00). Sem meias palavras, Guarnieri falou de sua longa trajetória, conta de suas divergências com Koelreutter - a quem muito ajudou, mas com quem rompeu devido ao seu experimentalismo musical (dodecafonismo). A respeito, diz o octogenário maestro e compositor: - "Para mim, o dodecafonismo é falta de criatividade do compositor. Quem não tem o que inventar, o que escrever, muda as coisas de lugar. É um conceito diferente, digamos assim". Um pouco amargo em relação ao esquecimento de grandes nomes da música erudita. Em relação ao centenário de nascimento de Heitor Villa-Lobos, diz: - "Essa escassez de homenagens a Villa-Lobos no Brasil, é muito natural. Quem tem prestígio no Brasil é o Pelé". Um assunto que Camargo aborda com seriedade: as nossas orquestras de música erudita. Diz: - "Já viajei muito e regi as mais importantes orquestras do mundo. Portanto, penso que nossas orquestras não evoluem em função do desinteresse total do governo em relação a elas. A arte no Brasil não tem vez. O Brasil, lamentavelmente, é um País que vive de rock, que tem uma influência nefasta na nossa juventude. Hoje em dia, o jovem brasileiro não sabe a importância do baião, do xote, dos lundus, dos maracatus, do samba de terreiro, do maxixe, etc. Desde que iniciei meus estudos em música, as únicas obras que chamaram minha atenção, a nível popular, foram a música de Milton Nascimento (especialmente "Travessia") e outra de Geraldo Vandré, chamada "Disparada". "Travessia" deveria servir de exemplo a toda mocidade brasileira. No entanto, nossos compositores populares são escravos do dólar. Depois que Milton Nascimento voltou dos Estados Unidos, sua criatividade evaporou-se. Hoje, os compositores, ao invés de pensarem na música, pensam unicamente no texto. Uma trapalhada. Quanto às orquestras, temos três importantes: Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e a Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro. Se houver incentivo por parte do governo, as demais orquestras poderão melhorar" Falando sobre sua obra, diz: - "Meu único interesse (que sempre tive e tenho) é, somente, transmitir minha mensagem ao meu povo, isto é, uma mensagem musical com características intrinsecamente brasileiras. Quero que as pessoas que me ouçam, tenham minha música como sendo genuinamente brasileira. É isso que tenho buscado: ser um compositor nacionalista". Uma revelação, ao que parece, inédita: nos anos 50, tanto a Metro Golden Meyer como a Paramount, o convidaram para se radicar nos Estados Unidos, fazendo trilhas sonoras para filmes. - "Os convites eram insistentes. Eu, insistentemente, negava. Chegou ao ponto de eles perguntarem quanto eu queria para me radicar em Hollywood. Novamente declinei do convite. A única coisa que queria - e quero - é morar no Brasil, em São Paulo, que adoro, apesar do barulho ser cada vez mais infernal. Nasci em São Paulo e quero morrer aqui".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
26/09/1987

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