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Aramis

Belo, humano, universal. É a marca de Spielberg!

Na seqüência em que Jim Graham (Christian Bale) perde-se dos pais, (Rupert Frazer/Emily Richard) na Xangai invadida pelos japoneses, com multidões desesperadas pelas suas ruas, a câmara de Allan Daviau focaliza, com insistência, um imenso painel que anuncia "E o Vento Levou". A citação é explícita: toda a seqüência que envolve milhares de extras, repete a clássica cena do incêndio de Atlanta e o retorno de Jim a agora abandonada casa de seus pais, também lembra aqueles momentos em que Scarlet O'Hara (Vivian Leigh) retornava a mansão de Tara, no clássico produzido há exatamente 50 anos por David Selznick e que foi, por décadas, a marca do cinema-entretenimento americano. Mais do que uma referência-homenagem a um filme que identifica toda a usina dos sonhos, a citação de "Gone With The Wind" pode caracterizar a pretensão de Spielberg em fazer de seu "Império do Sol", um novo "E o Vento Levou"? Em termos de bilheterias, Spielberg foi quem, no conjunto de suas obras, acumulou os maiores índices dos últimos anos a partir de "Tubarão". Spielberg resgatou (e esta palavra desgastada, justifica-se aqui) - o cinema como espetáculo, trazendo a emoção para uma platéia de espectadores que, pouco a pouco, ao longo dos anos 60 e 70 vinha se afastando do cinema: a magia de "Encontros Imediatos do Terceiro Grau" (em suas duas versões) e "E. T.", a trepidante captura do ritmo dos quadrinhos e seriados em dois filmes da série produzida em breve), fizeram com que se devolvesse ao cinema aquilo que há de mais fantástico: a fantasia, o belo, o mundo com que espectadores de todas as idades se integram. "A Cor Púrpura", do romance de Alice Walker, foi, há dois anos, uma revisão nos conceitos de Spielberg. Ao invés do cinema-entretenimento fantasioso penetrou numa bela e triste história de (e sobre) negros, com tristezas, discriminações, sofrimentos - mas com um final otimista. Indicado a várias categorias do Oscar, revelava já o preconceito dos membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que lhe recusavam a nomination de melhor diretor. A injustiça repete-se este ano: "Império do Sol" é um filme brilhante, enternecedor - um clássico da primeira a última seqüência, que, entretanto só teve indicação aos Oscars em categorias técnicas e menores. Ficou fora da melhor direção e melhor filme - quando nesta entrou um filme - canalha e cafajeste como "Atração Fatal" (em exibição no Lido I), certamente uma das obras mais desonestas já realizadas pelo cinema americano. "Império do Sol" é um épico. Na falta de encontrar argumentos contrários, os críticos mais injustos o acusam de ser "bonito demais", "longo demais", "perfeccionista ao extremo". Ora, bolas! Que mania idiota de uma crítica com dor de dente visual, acompanhada de uma (minoria) de público que, em nome de uma falsa intelectualização, procura esnobar obras capazes de atingir tanto o grande público como trazer grandes méritos. Nos milhares de centímetros que "Empire Of The Sun", vem merecendo desde sua estréia, nos Estados Unidos, há três meses, se tem feito as mais diferentes aproximações da saga do menino Jim Graham, 11 anos, filho de uma família rica, inglesa, que vive em Xangai e que, ao fugir da invasão dos japoneses - no dia seguinte ao ataque de Pearl Harbor é separada. Pernóstico, irritante, boçal como toda criança mimada, o menino Jim cresce e transforma-se no período em que conhece uma nova realidade - no campo de concentração dos japoneses e depois na procura de seus pais. As relações com Basie e Frank (John Malkovich e Joe Pantoliano), dois marinheiros mercantes americanos que vivem de tramóias para sobreviverem, a ternura da Sra. Victor (Miranda Richardson, numa esplêndida criação - depois de ter sido a admirável intérprete de "Dançando com um Estranho"), a amizade com o médico inglês Rawlins (Nigel Harvers) e, a distância, com um oficial-aviador japonês, são marcos em sua formação humana. O desenvolvimento de "Império do Sol" não é de leitura simples e, ao espectador menos atento, imaginando apenas mais uma "fita de ação de Spielberg" se perderá em muitos códigos de leitura. Ao contrário, há toda uma subleitura implícita no desenvolvimento da história de Jim - o alterego do romancista J. G. Ballard, que entre 1930/43, em Xangai foi prisioneiro dos japoneses - e disto resultou o romance, agora editado no Brasil. É a história básica de uma criança de guerra, mas sem o maniqueísmo boçal e limitado de apresentar japoneses como monstros e americanos ou europeus como santos. Ao contrário, são seres humanos que sofrem com a violência da guerra, a estupidez dos homens - mas sempre num universo em que sobrevive a vida, a esperança e o amor. A superprodução (que justificou inclusive um especial para televisão exibido pela TV Iguaçu, há três semanas), os múltiplos aspectos de sua realização, a grandiosidade de toda sua concepção faz com que "Império do Sol" já ganhe a dimensão de o "vitorioso moral" do Oscar. Independente da ausência de Spielberg e de seu filme no topo das indicações, o público o consagra. Merecidamente. LEGENDA FOTO - Em "Império do Sol" Steven Spielberg mostra, mais uma vez, toda sua extraordinária sensibilidade: a trajetória do menino Jim, amadurecendo durante a II Guerra Mundial, resultou num filme belíssimo - injustamente excluído das principais indicações do Oscar.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
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08/03/1988

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