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Aramis

Bethânia, 25 anos de MPB com festa e belo elepê

Que ninguém pense em reunir no mesmo jantar as cantoras Simone e Maria Bethânia. Cruz credo! Penas voariam e raios elétricos cairiam sobre a sala se tal encontro acontecesse. Afinal, estas duas baianas que disputam sulco a sulco, palmo a palmo, a maior popularidade na música brasileira, são concorrentes ferozes. Talvez até, pessoalmente, possa haver entendimentos, mas no jogo de marketing, para fazê-las cada vez mais agressivas em busca de seus públicos, esta rivalidade existe - muito menos folclorizada do que Emilinha Borba e Marlene nos anos 50 da Rádio Nacional, mas com torcidas ferozes. Mesmo com a ausência do corpo-a-corpo de fãs clubes. E mais uma vez Simone e Bethânia estão na raia, disputando as preferências do público neste final de ano com novos elepês. Para quem gosta da melhor música brasileira, a disputa é salutar: cada uma busca fazer um elepê melhor do que a outra - e se comparações possam irritá-las (e por certo, não gostam quando se fala em seus shows num mesmo espaço jornalístico), o fato é que cada uma tem sua garra, seu talento. Bethânia, 44 anos, saiu na dianteira neste final de ano: a comemoração de seus 25 anos de carreira, 27 LPs, a fez chegar as lojas com um dos melhores discos do ano, uma produção esmerada dividida entre o arranjador e violonista Jaime Alem e o diretor artístico da Polygram, Mahirton Bahia. Dentro de um belo nacionalismo, Bethânia abre o disco declamando um pequeno texto de Mário de Andrade (1893-1945): "Noites pesadas de cheiros e calores amontoados. Foi o sol que, por todo o sítio imenso do Brasil Andou marcando de moreno os brasileiros Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer". Depois destas palavras do grande Andrade, um petardo de brasilidade: o "Canto do Pajé", de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), com palavras de C. Paula Barros, no qual as cordas e teclados de Egberto Gismonti (que há 3 anos dedicou todo um lp a Villa) flui num clima de floresta amazônica, para esta faixa magnífica - em cujo arranjo utilizou na abertura, uma rápida passagem com a batucada da Mangueira sob direção do mestre Tarantã. A seqüência desemboca na dupla Almir Sater / Renato Teixeira, cantadores das coisas do Pantanal, com o belíssimo "Tocando em Frente", em arranjo de outro brasileiro que sabe mostrar as belezas rurais, o mineiro Toninho Horta. Depois disto, só mesmo João Gilberto - e o baiano não se fez de rogado: canta a primeira estrofe de "Maria" (Ari Barroso / Luiz Peixoto) e, disciplinadamente, acompanha Bethânia, ao violão, em "Linda Flor" (Heitor Vigeler / Cândido Cista / Luiz Peixoto / Manuel Porto). Só por estes primeiros momentos, o disco já valeria o que custa. Mas tem muito mais - como a revelação de "Logrador", de um novo talento chamado Orlando Morais em parceria com Antônio Cícero, numa faixa em que uma grande seção de cordas emoldura os arranjos de Alem e as presenças de José Roberto Beltrami ao piano, Nico Assunção no baixo e o Fluehorn de Márcio Montarroyos. Do baú de sambas clássicos, Bethânia revaloriza "Quase", de Mirabeu e Jorge Gonçalves, novamente enriquecida com um arranjo para cordas, num tratamento aveludado a um dos mais belos temas populares. No lado dois, a abertura é internacional: nada menos que Nina Simone, uma das grandes damas do jazz, participa de "Pronta pra Cantar" (Caetano Veloso), ao piano e na voz, com presença de Al Hackman na harmônica de boca. "Tomara" (Alceu Valença / Rubens Valença, filho), previu a presença do bruxo Hermeto Pascoal - na sanfona, voz e arranjos, incluindo cordas. Fátima Guedes, uma das compositoras mais sensíveis, é a autora de "Flor de Ir Embora", com um arranjo original: voz e uma seção de quatro celos. Já "Awó", tema de domínio público recolhido por Cleusa Millet, acoplado à "Inhasã" (Caetano / Gilberto Gil), ganhou participações especiais de Gal, Alcione, Nair de Cândia e Flávia Virgínia - para um arranjo com destaque a percussão, e um destaque de outro bruxo sonoro, o mineiro Djalma Corrêa. Encerrando esta viagem magnífica, "Palavra" (Morais Moreira / Fred Goes), que, ao final, tem citação incidental de "Apesar de Você" (Chico Buarque), com a mesma bateria da Mangueira que abriu o disco.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
09/12/1990

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