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Aramis

Betty Blue, vazio na beleza estética

Betty Blue poderia ser mais uma personagem para se encaixar na galeria mignon daquelas meninas-mulheres que fazendo do charme e do sexo as armas de uma liberação, construíram tipos marcantes que ultrapassaram a tela e o tempo, permanecendo como imagens referenciais. Afinal, quem não se lembra da maravilhosa Holly Golightly, que de um conto de Truman Capote (1924-1984) publicado em 1958, e que ganharia, 3 anos depois, sua intérprete cinematográfica perfeita na então jovial (31 anos) Audrey Hepburn, em "Breakfast at Tiffany's" (Bonequinha de Luxo, 1961), de Blake Edwards? Ao som de "Sally's Tomato" e "Moon River", Holly Golightly era a imagem (precursora) de uma nova mulher na Nova Iorque deslumbrante. Tão interessante, visualmente, quanto a Audrey de 30 anos passados, a ex-modelo fotográfico Beatrice Dalle chega a sugerir, nas primeira seqüências de "Betty Blue 37º, 2 da Manhã" (Cine Astor, hoje último dia em exibição), também as imagens da mulher-liberação. Como estamos em novos tempos, ao invés daquela seqüência antológica em que Holly/Audrey abria o filme fazendo sua refeição olhando, fascinada, os brilhantes da joalheria Tiffany's na 5ª Avenida (que ganhou com isto o maior comercial já dado a uma loja pelo cinema), Betty Blue abre literalmente com o sexo (quase) explícito, numa tórrida seqüência de amor com o seu companheiro Zorg (Jean Hughes Anglade). E se Capote foi explícito e simbólico no título do filme, o mesmo não ocorre com o romancista Philippe Dijan: o "37, 2 da Manhã" não chega a ter uma explicação clara para ter se juntado ao nome da personagem título. O compositor Gabriel Yared não chega a ter a mesma força do Henry Mancini no início dos anos 60, mas sem dúvida a sua trilha sonora é um dos pontos altos deste "Betty Blue". A música identifica-se ao desenvolvimento dramático da ação, com belos desenhos sonoros - especialmente os solos do solitário saxofonista, personagem, aliás, na primeira parte do filme. Pela sua trilha sonora, acoplada a uma das mais requintadas fotografias (de Jean François Robin) vistas no cinema francês nestes últimos anos, "Betty Blue 37, 2 da Manhã", já justifica sua verificação - especialmente na tela ampla, capaz de melhor passar a beleza das imagens - embora a cópia (pirata) em vídeo esteja já meses nas locadoras, assim como os dois filmes anteriores do diretor Jean Jacques Beineix - o supervalorizado "Diva" e a controvertida "The Moon in the Gutter", ambos, infelizmente, sem distribuição comercial (circuito de cinemas em 35mm) no Brasil. "Diva" e "A Lua sobre a Sarjeta" - que também tiveram suas origens em textos literários - já mostravam o requinte visual e estético de Beineix, mas ambos padeciam do mesmo pecado (mortal?) que prejudica agora "Betty Blue": um emolduramento tão bonito que não tem sustentação no desenvolvimento da história. No caso de "Betty Blue", o risco foi maior: ao partir de uma jovem de 18 anos, bela, sensual e liberada, que se envolve com um biscateiro de 35 anos, Zorg - mergulhando o casal numa paixão sem limites - o clima ora cômico, ora irresponsável - cresce para um final extremamente dramático, confundindo o espectador tradicional. Ou seja, ao terminar o filme, entre o sorriso e a lágrima fica uma espécie de frustração - embora o melodramático seja bem conduzido, inclusive nas últimas seqüências. Captando imagens de uma França interiorana e pouco explorada - uma pequena praia, fora de temporada, uma cidade do Interior - "Betty Blue" propõe também um pouco de viagem interior de seus personagens centrais, que de um relacionamento livre (e que se supunha temporário) assumem um envolvimento profundo. O roteiro do próprio Beineix coloca bem algumas situações, especialmente as relações de amizade com um segundo casal - Laisa (Consuelo de Haviland), dona de um pequeno hotel e seu amante, o restareteur Eddy (Gerald Darmon). As loucuras de momentos felizes de amizade e sexo, impulsionado por etílicos combustíveis, impulsiona o lado feliz da narrativa, em contradição com a repentina dramaticidade final - que justamente por se abater em torno de uma personagem-luz-juventude-sexo-energia-vida, como é Betty Blue, não deixa de dar um nó na garganta, pois afinal se a vida é um jazz inesperado nas emoções/improvisações de cada novo dia, também é terrível imaginar o Blue apenas como tradução de dor e tristeza e não do azul tão belo. Neste caso, todos queriam que Betty tivesse um final muito mais para um "Blue Moon" de Richard Rodgers do que para este "blue" que tão cedo leva os muito bons, os muito amáveis, os muito sonhadores...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
02/09/1987

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