Bianchi, um talento explosivo e polêmico
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de junho de 1989
Durante o ano passado, "Romance", foi um dos raros filmes brasileiros convidados para alguns dos mais importantes festivais e mostras do mundo - Amsterdã, Montreal, Berlim, Nova Iorque. Sem qualquer esquema de autopromoção - ao contrário, sempre crítico em relação a Embrafilme e outras entidades oficiais - o cineasta Sérgio Bianchi, paranaense de Ponta Grossa, foi convidado a comparecer nestes eventos, falando sempre com a sinceridade que o caracteriza. Seu filme - um amargo retrato do Brasil-corrupção que vivemos - provocou polêmicas e discussões, teve elogios e críticas. Foi visto e aplaudido por muitos. A escolha para representar o Brasil nestes festivais não foi por motivos pessoais ou protecionismo: acostumados a selecionar o que existe de mais criativo no mundo, os diretores de festivais e mostras internacionais baseiam-se no talento e propostas apresentadas. Portanto, 1988 foi o ano que consolidou Sérgio Bianchi como a revelação maior do cinema brasileiro.
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Inquieto, criativo, sensível, Bianchi é também um artista com uma personalidade muito própria de trabalho. Quem o conhece, desde os tempos que, ainda adolescente, chegou a Curitiba, para aqui estudar Comunicação (posteriormente freqüentaria a ECA-USP, em São Paulo, quando fez seus dois primeiros curtas, "A Besta", "Omnibus", ambos baseados em contos do uruguaio Julio Cortazar) sabe de seu temperamento ao mesmo tempo explosivo e brincalhão, mas sobretudo humano. Portanto, a sua escolha para ser o diretor cênico de "Don Giovanni" poderia significar uma montagem vanguardista, ao estilo Gerald Thomas - pois imaginação para tanto não lhe falta. Bianchi, entretanto, preferiu o respeito a obra tradicional, numa montagem bem comportada.
A produção foi difícil, sem dúvida! Incidentes de percurso com a equipe técnica e mesmo com o maestro Oswaldo Colarusso. Independente de posicionamentos em torno de quem tem (ou não) razão, o fato é que, ao ser contratado, sabia-se de sua forma de trabalho. Em seu lugar, poderia ter sido convidado um diretor com maior experiência cênica, como Marcelo Marchioro, hoje um dos "metteur-en-scene" de maior ascensão nos meios paulistas e que, este ano, em Curitiba, aqui realizou dois dos melhores espetáculos ("Eu, Fuerbach" e "Nenufar"). Infelizmente, até agora, a Secretaria da Cultura, tem ignorado a competência de Marcelo - fazendo com que, desanimado com esta marginalização, busque seu próprio espaço - e que não lhe faltará (e sua carreira crescerá, ao passo que eventuais donos do poder passarão, como diria o poeta Mário Quintana).
Bianchi, nesta sua primeira experiência em direção cênica, vindo do cinema - com outra linguagem e técnicas - naturalmente encontrou problemas. Houve explosões e frustrações, mas, afinal, a produção estreou. Magoado, com razão, por ataques sofridos a nível pessoal, deixou Curitiba na segunda-feira, embora, se vaidoso fosse e aqui ficasse, pudesse também subir ao palco do Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, ao final das apresentações de "Don Giovanni" e receber aplausos. Bem ou mal, deu sua contribuição ao espetáculo.
Preferiu, entretanto, voltar a São Paulo e cuidar de um próximo trabalho - o roteiro e pré-produção de um terceiro longa-metragem, inicialmente com o título de "A Causa Secreta", levemente inspirado em um conto de Machado de Assis - e no qual, por certo, mostrará, mais uma vez, sua visão do mundo e dos nossos tempos - com humor, ironia e uma necessária dose de realismo amargo - pois assim são estes nossos dias e tempos.
LEGENDA FOTO - Colarusso: diretor musical de "Don Giovanni".
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