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Bosco, mineiro universal, com seu canto sem limites

Dentro do aprimoramento na pesquisa, interpretação e jornalismo musical, alguns criadores (compositores, instrumentistas, intérpretes) estão a merecer, cada vez mais, estudos de profundidade. João Bosco (Mucci), mineiro de Ponte Nova, 43 anos completados no último dia 13 de julho, engenheiro de minas que preferiu trocar a tecnologia pela música, ao longo de 17 anos de carreira - embora gostasse de cantar e tocar violão desde a adolescência - é um dos exemplos mais representativos de uma musicalidade sem fronteiras / viseiras - o que hoje explica a aceitação mundial de seu trabalho, como, mais uma vez, mostrou numa tournée iniciada em Montreaux e que prosseguiu por outros países, em parte dividida com Caetano e outro João maravilhoso - o Gilberto. Se foi Vinícius de Moraes quem, passando alguns dias na casa do pintor Carlos Scliar, em Ouro Preto, se entusiasmou com a musicalidade do então estudante João Bosco - e com ele desenvolveu as primeiras parcerias ("Samba do Pouso", "Rosa dos Ventos", "O Mergulhador"), seria com o letrista e psiquiatra Aldir Blanc, que conheceu em 1969, que seria o parceiro de uma primeira fase e Sérgio Ricardo, ao criar o "Disco de Bolso", lançaria João com seu audaciosamente moderno "Agnus Sei", no outro lado de "Águas de Março" (Tom). Estava dado início à partida que ninguém mais segurou... Luisinho Eça, retomando o Tamba Trio em 1971, também se ligou à modernidade de Bosco, a partir de seu "Angra", consolidada num elepê totalmente quebrando as estruturas tradicionais e Elis Regina, em 1972, com "Bala com Bala", dava o impulso que faltava. Bosco/Blanc passaram a fornecer músicas das mais disputadas, paralelamente a um trabalho próprio, que marcaria os anos 70. Uma cabeça como a de Bosco não ficaria, entretanto, no consolidado e, assim, novas guinadas, mas sempre para melhor, viriam a acontecer. A troca de gravadora (RCA para a CBS) e uma substituição de parceiros - quando não ele próprio assumindo a letra - o conduziram a caminhos em que o scat (no que sempre foi perfeito) e as pesquisas de vocalização, somando-se a uma retomada a valores afros o conduziriam a um criador (e a palavra aqui atinge seu sentido mais amplo) como demonstra agora, neste seu 13º elepê gravado em fevereiro último e que, como diz, num texto brilhante de Sandra Bittencourt (que mereceria transcrição integral se espaço houvesse), "mostra Bosco despudoradamente reinventando a nossa MPB, alinhando novas formas rítmicas, devastando horizontes melódicos, metamorfoseando harmonias, poetizando a realidade, com uma sonoridade ímpar e dignamente cantando sem nenhum temor - conforme a determinação de seus impulsos energéticos". Ouvindo-se "Sinceridade", um bolero de Gaston Perez que muito se ouvia nos anos 50 (e que a irmã de Bosco, Maria Auxiliadora, costumava incluir em seu repertório de crooner, nos bailes de Ponte Nova), sente-se toda a sua harmonia e musicalidade que, como curtidor maior do bolero, poderia fazer um álbum (vejam só!) só como intérprete deste gênero tão belo. Claro que é como (re)criador de ritmos, ourives das palavras, que explode com músicas como a sensual "Jade" (tema da novela "O Salvador da Pátria"), "Terra Dourada" (inspirada na "Ode ao Rio", de Pablo Neruda) ou a releitura de "El Manisero" (Moisés Simons, sucesso dos anos 50), rebatizada de "Vendendo Amendoim". Reminiscências cubanas também estão em "Varadero" (81, quando foi pela primeira vez à ilha de Fidel), enquanto "Sassaô" é um merengue nordestino e "Vila de Amor e Lobos", uma saudação a Villa-Lobos. Mineiro sem mar, Bosco compensa-se em "Mar, Religioso Mar", enquanto que em Maiacovski foi buscar o poema para "E Então, que Quereis?..." ponte para "O Corsário", antiga composição, que Elis imortalizou. Intenso, imenso, magnífico. Bosco genial-universal, neste seu 13º elepê chega, com certeza, mais uma vez, entre os melhores do ano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
24
06/08/1989

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