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Aramis

Brasil, violão & talento.

'Entendo por violão brasileiro isso que Villa-Lobos e João Pernambuco - fundamentalmente esses escreveram para violão. A história da popular, foi de uma certa forma escrita em seis cordas: novas estéticas e tendências foram inicialmente conduzidas por um Donga, Sátiro Bilhar - passando depois por Garoto, Bonfa, Badem - sem esquecermos Canhoto da [Paraíba], Othon Salleriro, Dino, Meira. Na fase pós-bossanovista de João Gilberto vieram Edu, Milton Nascimento, Gil, Gismonti, Paulinho da Viola - e não há porque esquecer, no campo erudito, esse extraordinário Turibio Santos' (Hermínio Bello de Carvalho) O violão na [música] brasileira - popular e erudita, mais do que um simples registro [jornalístico], está há merecer um longo ensaio, talvez [até] um livro, além de um [espetáculo] que há muito indealizamos. Pois nenhum outro instrumento tem tanta ligação com o sentimento e a paixão musical do povo brasileiro. Sem querer nos alongarmos em razões históricas do Violão na MPB - tema aliás que já abordamos por diversas vezes aqui em O ESTADO, vamos registrar de três recentes - e excelentes - lançamentos, que comprovam mais uma vez a vitalidade, o sentimento e a brasilidade de nossos bons compositores e instrumentistas. Conhecido até agora apenas como parceiro de Paulo Cezar Pinheiro - como quem dividiu a mais bonita [música] de 1973 (embora gravada em 72, - 'Viagem' João de Aquino tem sua vez de mostrar [todo] seu virtuosismo ao violão, suas novas composições e também - ora, afinal, porque não? - sua voz - nem mais bela, mas [também] nem pior do que a de tantos parceiros e amigos (Eduardo Marques, Paulo Cesar Pinheiro, Herminio Bello [de Carvalho]) que fizeram seus discos nestes [últimos] meses. Produzido por Herminio - que há mais de um ano, já havia convocado João para participar de um Lp ao lado de Simone e Roberto Ribeiro especialmente produzido para o Brasil Expo, em Bruxelas, este 'Violão Viageiro') (Odeon, SMOFB 3827, setembro74) é um disco básico na medida que o ouvinte saiba entender a sua [importância] dentro [da] MPB [contemporânea]. Na contracapa, Hermínio incluiu [três] avais [entusiásticos] sobre o talento [de] Aquino - dos violinistas Oscar [Cáceres] e Turibio Santos, e do crítico André Dossart - mas os elogios são dispensáveis, [para um compositor que fez] a melodia 'Viagem', e que não ficou por [aí], como demonstra nas 13 faixas deste LP - algumas instrumentais, outras vocalizando, pois João [também] canta, 'e [canta [como] se deve:] o coração escancarado, sem aquelas habituais preocupações vocais que muitas vezes desempostam o essencial de uma canção'. Para esta gravação, João teve a ajuda de Hugo Berlardi no sintetizador, Pedro Sorongo e Xuxu nos efeitos diversificados, Marçal na [cuíca], Fernando Leporace no baixo [elétrico] e arranjos, em 3 faixas, do mestre Radamés Gnatalli. O resultado é um disco interessantíssimo, de grande criatividade - como diz Herminio 'João não deixa de tocar igual duas vezes um mesmo tema', enriquecido ainda com uma das mais interessantes capas[] do ano, criada por Luis Pessanha. Faixas: 'Coiote', Beira-Maré (parceria com Paulo Frederico), 'Macunzozo', 'Fica, Amor' (parceria com Eduardo Marques), 'Galope', 'Sapos e Grilos' (com Paulo Frederico), 'Caatinga', 'Ponto do Caboclo Desengano' ([com Paulo Pinheiro/Alfredo Bessa]), 'Corpus', 'Veredas', 'Cactus', 'Tributo a Turibio Santos' e, não poderia dexar de ser, 'Viagem'. Quem conhece pessoalmente Paulinho Nogueira (Paulo Arthur Menders Pupo Nogueira, 45 anos, 23 de vida [artística], uma figura humana [admirável] quanto [tão] grande é o seu talento de violonista - instrumento do que é um dos 3 maiores mestres em nosso [país] - entenderá ainda melhor seu [último] Lp ('Simplesmente', Continental, SLP-10.153, setembro74). Pois Paulinho um homem simples, que não esconde uma timidez, uma [modéstia] impressionante para quem, como ele, já ofereceu tantas obras-primas para a nossa MPB, quem como ele tanto tem ensinado violão, revelado vocações (um exemplo, Toquinho - ao lado de quem fez 3 admiráveis shows no Paiol, há 2 anos). Pois o Paulinho com toda sua simplicidade, inspiração e ternura comparece nas 10 faixas desde seu terceiro Lp na Continental, [após] ter permanecido mais de 10 anos na RGE. Paulinho nos oferece neste Lp cinco novas composições - algumas das quais já [tínhamos] tido a alegria de ouvir numa [inesquecível] reunião de [ ] amigos em nossa casa, em novembro do ano passado, quando [Paulinho] falou de sua vida, de seus temas puros como uma flor - e que sente-se nas letras (dele mesmo) em que demonstra toda a sua [modéstia na] [própria] [música-título] ('Simplesmente'), fala de seus [três] cachorros - Piloto, Birico e Timbó, cada uma marcando uma época: o primeiro - da [infância] em Campinas, morrendo de velho, o segundo morto envenenado [e] o terceiro atropelado. Das memórias de sua infância é também a densa 'Procissão de Sexta Feira Santa', onde recorda a figura de [seu] pai, seu primeiro mestre de violão, numa melodia de grande carga sonora e muita sinceridade. Já 'Cem anos de Perdão', é também um retrato de sua [infância] ('Na minha casaQuando neste mundo eu vimJá se escutava Violão e BandolimTalvez por issoPercebi desde meninoTinha que ser meu destinoGostar tanto de samba assim'), contando na terceira, mas que foi perdoado, pois 'Ladrão que toca o seu violão, mas que foi perdoado, pois 'Ladrão que toca violão tem cem anos de perdão'. 'Um simples chorinho' e uma oportunidade onde o excelente regional de Evandro do Bandolim [dá] a Paulinho todo o apoio para criar uma [música] digna da memória inesquecível Jacob do Bandolim[.] Não poderia ser num disco falso um dos temas mais caros de Paulinho: a 'Bachaininha nº 1', unicamente instrumental, assim como o delicioso 'Murmurando' de Fon Fon (Otaviano Romeiro, 1908-1951) e Mario Rossi (1911). Uma homenagem [a] Noel Rosa (1910-1937) é a gravação do belíssimo "João Ninguem", uma das melhores - embora menos divulgadas - músicas do Poeta da Vila. E demonstrando toda as potencialidades da Claviola, instrumento de sua [invenção] Paulinho mostra um novo e vigoroso arranjo o [clássico] '[Asa] Branca' de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Com arranjos de Nelson Ayres e do [próprio] Regional do Evandro - nas faixas 'Rosa' (de Pixinguinha[/]Otávio de Souza), 'Cem anos de Perdão', este novo lp de Paulinho está entre os melhores discos instrumentais do ano - simplesmente extraordinário, o que não nos supreende tratando-se de um [músico]-pessoa extraordinária como é Paulinho. Apontado por muitos, ao lado de Lupekee Miranda e déo Riam, com um dos [três] melhores executantes [de Bandolim] do Brasil, Evando (Josecando Pires de Carvalho, paraibano de nascimento, há muitos anos em São Paulo) lidera um regional que é a grande atração nas noites do Jogral - a melhor casa de samba da noite paulista, dos entusiastas Marcus Pereira e Aluizo Falcão, [e] trabalhando para esta dupla que vem editando o que existe de melhor em nossa MPB, Evandro, que apesar de ter feito já [vários] discos (inclusive um lp na CBS) nunca teve a promoção merecida, gravou agora um lp daquele [nível] para se oferecer a um amigo do exterior, de bom gosto, como exemplo de nossa melhor [música] instrumental ('Brasil, Flauta, Bandolim e Violão', Discos Marcus Pereira, 403.5019, outubro74), com o mesmo grupo que há 4 anos já havia feito o [histórico] 'Brasil, Violão e Cavaquinho' - inicialmente editado por Marcus Pereira com brinde de natal mas que foi relançado comercialmente, e que, como encerra o rigoroso José Ramos Tinhorão em seu didático texto de contracapa é um disco que numa época em que uma das coisas mais [difíceis] - ao menos no campo da [música] popular - é ser brasileiro no Brasil, vale por uma alegre demonstração de vitalidade das verdadeiras virtudes populares nacionais. E que devia ser obrigatório, como a carteira de identidade. Acompanhado por Manuel Gomes, o Manuelzinho da flauta, José Pinheiro, violão de sete cordas e comum, Eduardo dos Santos Gudim, violão; Lúcio França, cavaquinho, e mais José Reli e Balto da Silva no ritmo (pandeiro e surdo), com direção do maestro Nelson Ferreira, Evandro não podria reunir um [repertório] mais expressivo da [legítima] [música] brasileira - que nos faz recomendar este disco com o maior entusiasmo: 'Flor Amorosa', considerado o primeiro choro da MPB, de autoria do flautista carioca Joaquim Antonio da Silva Callado (1848-1880); 'Pinicadinho', polca de Severino Rangel e José Luiz Calazans; 'Rancho Fundo', samba-canção de Ari Barroso; 'Santinhas', xotis de Anacleto de Medeiros; 'Serra da Boa Esperança', samba-canção de Lamartine Babo e Ari Barroso; 'Receita de Samba', samba de Jacob do Bandolim, 'Brejeiro', choro de Ernesto Nazareth; 'Ave Maria', valsa de Erotildes de Campos; 'Sapeca', frevo de Jacob do Bandolim; 'Cito Batutas', choro de Pixinguinha (antecedido por pequeno depoimento [de Donga]); 'Maxixe das Flores', maxixe de Altamiro Carrilho; 'Ingênuo', choro de Pixinguinha e Benedito Lacerda; 'Quanto [dói] uma saudade', choro de Garoto e 'Proezas do Evandro', choro de Luperce Miranda. LEGENDA FOTO: Paulinho Nogueira
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música Popular
31
20/10/1974

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