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Aramis

Cenas de um Casamento (II)

Costuma-se dizer nos Estados Unidos que a Califórnia é um "outro" pais e um outro estado... de espirito. Numa das cenas de "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (cine Rivoli, 4 sessões), o personagem Alvy Singer (Woody Allen) diz ao seu amigo Rob (Tony Roberts) que recusa-se a viver numa cidade (Los Angeles), onde "a grande vantagem cultural é poder dobrar à direita com o sinal vermelho". Mais do que uma piada de efeito apenas regional, a colocação que Allen faz, assim como tantas outras, ajuda a caracterizar neste seu filme intensamente autobiográfico, uma espécie de contradição urbana. Para ele, com suas fobias, medos e neuroses urbanas, Nova York é a única cidade do mundo em que pode sobreviver ao passo que Los Angeles, a outra megalopolis com seus 300 km de extensão, considerando-se a junção de 72 comunidades, avenidas amplas, uma cidade pensada para ser usada apenas com ajuda de automóveis, lhe provoca sérios distúrbios orgânicos. O humor caustico, mas perfeitamente humano de Allen explora todas as potencialidades contemporâneas. Assim, partindo de uma deliberada homenagem (ou revisão satírica) da obra-prima de um cineasta que admira ("Cenas de um Casamento", Ingmar Bergman), recria em "Annie Hall" uma obra toda sua, com a marca registrada de seu talento que, em termos de Brasil, só há pouco começou a ser devidamente entendido. Há 10 anos, o primeiro filme que dirigiu ("Um Assaltante Bem Trapalhão/Take the Money and run) passou totalmente desapercebido. Hoje, Allen é curtido com entusiasmo, ao menos numa faixa mas bem (in)formada de consumidores de cinema. As trapalhadas, os pastelões, as gags visuais, mesmo não desprezadas totalmente - veja-se, por exemplo, a seqüência em que Alvy Singer teme apanhar as lagostas, ou o trombamento dos carros, em Los Angeles, não são, entretanto, o principal no filme. Orlando Fassoni, um dos muitos críticos e analisarem a obra de Allen, fez uma colocação bastante lúcida: "A gente ri de Carlitos porque vê nele, sempre, o sujeitinho indefeso diante de um mundo de brutos que o hostilizam e ameaçam. A fraqueza, ao menos no cinema, sempre deu vitorias aos fracos. A gente ri e Jerry Lewis pelo mesmo motivo, porque parece o cara boboca que nunca sabe como safar-se das complicações. Allen se vale disso também, ou seja, usa sua debilidade física e a expressão do sujeito eternamente derrotado para tirar, daí, os elementos do humor que nos vende". Tanto quanto Chaplin, e mais do que Lewis (por sinal, há alguns anos afastado do cinema), Woody Allen é um criador de extrema inteligência, capaz de fazer as colocações perfeitas. Sua carreira como ator e, principalmente seus filmes "Bananas", "Tudo Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo", "O Dorminhoco", "A Última Noite de Boris Grushenko" (sábado, 24 horas, no cine Astor), já tinham muito de sua visão do mundo. Mas é neste "Annie Hall", com extrema simplicidade, quase que numa catarse dilacerantemente sincera e bem humorada - a discussão do fracasso com as mulheres - é que Allen atinge o ponto mais alto de sua carreira e realiza um dos filmes mais importantes dos últimos anos. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood tem cometido pecados em suas premiações. Todos os concorrentes finais, normalmente, reúnem muitos méritos e pode ser até que outros candidatos aos Oscar abocanhados este ano por Allen - melhor filme, diretor, roteiro - e mais o de atriz para Diane Keaton, também pudessem merecer o prêmio. Mas sem duvida, distinguir Allen, foi, como bem observou outro critico (Carlos Avelar, "Jornal do Brasil", 5/4/78), uma forma de Hollywood começar a reexaminar sua concepção de cinema, começando a olhar para um tom de narrativa mais pessoal, que se convencionou chamar de cinema de autor - "agora que os grandes estúdios americanos, em crise, dominados por empresas multinacionais, se inspiram nos modelos da época de ouro de cinema".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
4
14/04/1978

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