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Aramis

A cidade, os técnicos e os enganos (I)

PARTICIPANDO de um workshop sobre "urban enviroment and a economic growth", a convite do Ressources for The Future, iniciando ontem, em Washington, D.C., o arquiteto Lubomir Ficinski, ex-presidente do Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba e professor da Universidade Federal do Paraná, levou um objetivo estudo de 53 páginas, intitulado "The planninf and development of rapidly gorwing cities - the case of rapidly gorwing cities - the case of Curitiba". Em linguagem simples, sem cair no "arquitutês" que caracteriza tantos estudos a respeito, Lubomir, 50 anos, desenvolve interessantes propostas. No encontro, que participam ministros, secretários e presidentes de autarquias ligadas a política urbanística, Lubomir inclusive não deixará, inclusive, de fazer algumas críticas ao que acontece em muitos casos de planejamento desenvolvidos por técnocratas. Xxx Assim, já na página 9 de seu trabalho, Lubomir lembra que "a cópia de modelos de países industrializados onde já existe uma hierarquia urbana estabelecida e a população praticamente parou de crescer; países com sistemas de coletas de informações sofisticados e extremamente aperfeiçoados, com séries históricas e estatísticas perfeitamente conhecidas e cujo planejamento opera normalmente sobre estruturas urbanas, existentes, ou pelo menos de evolução muito mais lenta, leva o planejador que tenta repetir o método com conseqüências danosas. A primeira delas é o que eu chamo de "síndrome de pesquisa", que em alguns lugares, hoje, infelizmente passou ser um fim em si mesmo. Nas cidades dos países em desenvolvimento, o crescimento anual impede o luxo de modelos sofisticados, muita coleta de dados e informações, projetos que acabam sempre desatualizadas e consomem uma boa parte dos já poucos recursos disponíveis para investimentos em obras (não podemos esquecer que uma cidade que tem a sorte de crescer somente 7% ao ano, dobra a sua população a cada 10 anos). Ao se gastar muito para montar um diagnóstico da cidade, o que tem sido a norma convencional, acaba-se por chegar a um resultado primoroso, mas desatualizado, por não mais refletir a realidade local. O processo então é retomado, produzem-se belos relatórios, mas a única coisa que muda nesse organismo vivo que é a cidade, é a flecha das prateleiras em que estes relatórios são depositados. Este excesso de diagnóstico leva a uma segunda conseqüência, que é a de cristalizar uma realidade que não existir mais. De fato, o excesso de diagnósticos, em que se passou muito tempo pesquisando, analisando e alocando, sem considerar que este tipo de cidade é um organismo extremamente dinâmico e não espera que todo este processo termine para recomeçar o seu desenvolvimento, leva no final, a uma constatação real de 2 ou 3 anos, que se pretende cristalizar. Isso gera uma ausência da visão global do fenômeno urbano, levando à soluções setoriais que acabam se revelando incompatíveis com o futuro da cidade. Quando finalmente se consegue planejar os resultados tem refletido a aplicação de um pensamento analítico, levado às últimas conseqüências. Este método não é uma característica dos países em desenvolvimento, sendo uma postura de planejamento mais ou menos universal. Consiste o método em descobrir o simples no complexo e tentar reconstruir o complexo, através do simples. Xxx Em seguida, Lubomir explica melhor esta frase bastante feliz e ferinamente critica a muito "planejadores": "Ao se dissociar o complexo nos seus elementos simples, para entende-los e depois reconstruir o complexo, começou-se a dissociar a cidade, definindo as funções urbanas vitais do habitante: morar, trabalhar, circular e recrear-se; como se fosse possível ao homem alienar-se de si mesmo, segundo cada uma dessas funções. De uma forma um tanto olímpica, não se indagou como mora este homem, se tem trabalho, se pode recrear-se? A revolução industrial, é verdade, separou o homem dos seus meios de produção. Isso em conseqüência da divisão do trabalho e do enorme aumento do poder desses meios. A cidade passou a ser somente um fato econômico, subordinado à crença no interesse próprio que negava ao seu caráter social. As atividades produtoras poderiam fazer o que quisessem e a mão-de-obra teria que ser obrigada ao menor custo possível. A necessidade de estabelecer regras para proteger o homem tornou-se evidente. É, neste sentido, que devem ser entendidas as leis do uso do solo. Elas devem procurar disciplinar as diversas atividades humanas na cidade, mas propiciando a sua articulação. É evidente que existem atividades incompatíveis entre si. Isso implica em ordenar com coerência a localização dessas atividades e não separá-las brutalmente com o nobre propósito de não repetir os abusos das primitivas cidades industriais. Essa separação tem gerado cidades novas ou desenvolvimentos urbanos compostos de um arquipélago de funções, o mar entre estas ilhas sendo constituído por sistemas rodoviários extremamente complexos. Este processo aliado a uma ideologia extremada do solo e do verde (que se constitui em grandes manchas para serem apreciadas a certa velocidade e que se quer confundir com a natureza), acabou suprimindo a "Rua", que é o elementos de ligação entre o trabalho, residência e lazer, e com ela o elemento lúdico, inerente a uma vida social, espontânea, com suas surpresas, imprevistos e jogos informais, empobrecendo e embrutecendo e embrutecendo o "cotidiano" e tolhendo uma dimensão mais poética da vida. Temos, pois, de um lado, uma série de matrizes lógicas, modelos sofisticados e simulações que não refletem mais a realidade, e de outro uma esquematização com forte dose de abstração que, quando transformadas em projetos e estes em obras, podem gerar uma realidade ilógica e carente de vida, ou como diz Gordon Cullen, "um diagrama tridimensional no qual se exigirá que a pessoa humana viva".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
9
16/10/1980

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