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Aramis

Cinemateca para todos (basta amar os filmes)

Durante quase trinta anos, o Brasil teve apenas duas cinematecas - a pioneira, de São Paulo, fundada por Paulo Emílio Salles Gomes, no início dos anos 50 e a do Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, criada pouco depois. Hoje, existem centenas de cinematecas no Brasil! Isto mesmo! Pode parecer absurdo, mas se pode dizer que as cinematecas se multiplicaram como coelhos. Claro que não se trata das Cinematecas tradicionais - voltadas a preservação de preciosidades em 35 ou 16mm, cópias até em nitrato (altamente inflamáveis), muitas delas aos frangalhos. Estas, continuam sendo apenas menos de que os dedos da mão: afora as de São Paulo e Rio de Janeiro, a nossa Cinemateca do Museu Guido Viaro (cuja implantação se deve, justiça seja feita, a Valêncio Xavier, quando funcionário da Fundação Cultural), a de Porto Alegre, ainda em implantação, uma outra em Recife e mais dois ou três projetos - inclusive uma catarinense. Mas há centenas de "cinematecas" espalhadas em casas de cinemaníacos fanáticos que, pouco a pouco, graças a chegada da era do vídeo, vão formando seus acervos. Seja pirateando cópias importadas, duplicando (e também pirateando) as cópias legendadas, alugadas, ou gravando diretamente da televisão, cada um vai formando a sua videoteca, que, com a passagem do tempo, pode chegar a centenas de títulos - mesmo com o vídeo virgem ao preço de Cz$ 800,00. Quem imaginaria, há 5 ou 8 anos passados, que seria possível ter os melhores clássicos do genial Sergei Eiseinstein ou que um filme-mito como "Limite", que Mário Peixoto, 78 anos, rodou em 1929 - e que raríssimas pessoas assistiram, ganharia uma edição em vídeo? Cada vez mais, a cada mês que passa, ao lado do comercialismo (e mesmo mau gosto), que marca o lançamento de dezenas de distribuidoras, algumas empresas melhor dirigidas trazem obras que ninguém pensava pudessem ganhar edições seladas, com boa qualidade técnica - e que mesmo destinando-se a platéias especiais, capazes de entender filmes de arte, são colocadas a disposição do mercado. Entre todas as distribuidoras, duas que vem se destacando pela qualidade de suas edições: a Globo e a Pole Vídeo. Por exemplo, depois de editar filmes de Eiseinstein e "Limite", a Globo Vídeo tem uma programação extraordinária para este ano, começando, por exemplo, com um cult movie, dificílimo - que foi um dos maiores fracassos no seu lançamento comercial - mas que agora tem alguns ganchos capazes de fazer com que um segmento de adeptos do vídeo (e do bom cinema, é claro), procurem conhecê-lo: "O Marinheiro que Caiu em Desgraça com o Mar" (The Sailor who Fell from Grace with the Sea), produção inglesa, de 1976, dirigida por Lewis John Carlino. Na época com 44 anos, embora já respeitado como roteirista e dramaturgo, Carlino ainda ensaiava seus primeiros passos como diretor - tendo estreado num drama sobre a Máfia ("Sangue de Irmãos / The Brotherhood", 1968) e só atingindo um reconhecimento com "The Great Santino" (1980), que valeu a Robert Duvall uma indicação ao Oscar. Baseado numa novela do escritor japonês Yukio Mishima (1935-1970), então ainda pouco famoso, só a partir de 24 de novembro de 1970, quando Mishima tentou um golpe militar em Tóquio e praticou o harakiri, se tornaria notícia no Exterior. E, no Brasil, só nestes anos 80, após o filme biográfico "Mishima" (1985, de Paul Schraeder), seus livros começaram aqui a serem editados. Além dos livros, biografias e ensaios sobre a sua obra, como a recém publicada "Mishima", da escritora francesa Marguerite Yourcenar (editora Guanabara, 106 páginas). Difícil, complexo, "O Marinheiro que Caiu em Desgraça com o Mar" foi estrelado pela bela Sarah Miles e o cantor-ator Kris Kristofferson - mais Jonathan Kah, Margot Cunningham e Earl Rhodes. Exemplo do filme que merece ser visto por platéias especiais e que se não saísse em vídeo dificilmente seria conhecido. Afinal, no circuito comercial, jamais reapareceria. Por estas e outras é que repito: a cinemateca é hoje individual. Não só com os vídeos legalizados, mas com a simples gravação de filmes da televisão. Nunca se exibiram tantos clássicos, filmes marcantes de décadas passadas como nos últimos tempos. Assunto para um futuro comentário mais específico.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Vídeo/Som
8
11/02/1988

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