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Aramis

Cinzentos dias numerados

o teatro, entre outras finalidades, deve também questionar. Uma peça deve estimular o espectador a refletir, não só em torno do que viu, mas em torno de si mesmo. A idéia original de "A Mala" do desconhecido autor argentino Júlio Maurício é das mais interessantes: uma mulher classe média, vivendo em seu apartamento modesto, sem ambições, sem qualquer projeto de realização, de repente é questionada em seus dias cinzentos e acanhados, pela presença de um jovem inquieto, mas também solitário. Um simples relacionamento sexual - imediatamente descoberto pelo marido, transforma a vida do casal e os faz indagar, sinceramente, sobre o vazio em que vivem, a monotonia, enfim os dias e noites simplesmente vegetativos. Lamentável, que uma idéia tão simples - mas tão atual e importante - não tenha encontrado no argentino Júlio Maurício um autor com a garra que a transformaria num forte espetáculo. Produtor astuto, com 40 anos de teatro, período em que fez algumas das melhores encenações do teatro brasileiro, Sandro Polônio, cansado de procurar um teatro nacional, apropriado a uma pequena companhia disposta a viajar por 120 dias, pelo Brasil afora, acabou optando pelo texto de Júlio Maurício. E, embora convidasse um jovem diretor, Luiz Ernesto Imbassahy, para dirigi-lo, por certo, em sua experiência empresarial, deve ter feito muitas sugestões. Como a de tranformar a idéia original - de uma peça inteiramente dramática - num espetáculo leve, principalmente no segundo ato, onde a presença de Leonardo Villar, eleva, sem dúvida a comunicabilidade. E, se outros méritos não tivesse, essa produção de Sandro Polônio (auditório Salvador de Ferrante, até o dia 29 em cartaz) tem ao menos este: o de revelar Leonardo Villar como comerciante. Ator experiente, formado na profissional escola do GBC, Leonardo é até hoje identificado com os personagens sertanejos - desde sua glória internacional em "O Pagador de Promessas" (1962. De Anselmo Duarte, da Peça de Dias Gomes). O seu sotaque de homem do Interior de Piracicaba), o tornou sempre um personagem caracteristico, mas de envolvente simpatia e sinceridade. No palco, no segundo ato de "A Mala", Leonardo entusiasma pelo humor expontâneo - justamente na afetuosidade dos diálogos, traduzidos por Pedro Bloch que preferiu o anonimato, assinando e trabalhando como "Ronaldo Graça". Honestamente, Sandro e Maria, que no passado já montaram o melhor de O`Neill Sartre, Eskine Caldwell, Brecht, Miller e dezenas de outros clássicos - além de autores nacionais como Guarniéri ("Gimba", em que 1957 representou o Brasil no Teatro das Nações, em Paris), Jorge Andrade, Abilio Pereira de Almeida etc, tem consciência das limitações de "A Mala". É uma peça despretensiosa - destinada ao publico interiormente, atraído, evidentemente, pelos nomes de Maria Leonardo, a dupla romântica (Olga/Guima), de recente telenovela. Assim, "A Mala" tem que ser visto em sua ingenuidade, como um vôo menor de um dos pássaros de brilho maior do teatro brasileiro. Mas, mesmo nesta simplicidade de propósito, Maria Della Costa compõe, com muito profissionalismo, a Luiza, um tipo simpático e capaz de estabeler empátia com muitas espectadoras, em seus dias vazios, numerados e monótonos, assim como Osvaldo Oliveira (Leonardo Villar), em sua mediocridade, em seu palermismo, em seu temor ao Pacheco - que, pelas citações humorísticas, acaba transformando-se no personagem mais simpático - sem, evidentemente aparecer, também lembra muitos "oliveiras" de nosso mundo. Apenas o personagem Horácio Herculano (Romulo Marinho Júnior, 21 anos, em sua primeira atuação profissional) não consegue estabelecer maior identidade, permanecendo frouxo e vazio, ao longo de todo o primeiro ato - que se arrasta cansativamente. O público, fiel, de Maria Della Costa, e os fãs de Leonardo Villar, garantirão, sem dúvida, uma boa temporada "A Mala". A Moça é alta, magra e, naturalmente, muito tímida. Ela surgiu meio de repente na loja de artesanato Cordel (travessa Jesuíno Marcondes, 50) trazendo umas incríveis (e tristes) galinhas de cerâmica sob o braço. Não só galinhas, mas também pavões e até uns elefantes, de que de tão nauseés dir-se-ia egressos de um dos primeiros filmes de Truffaut. A moça se chama Tânia Knorr e nunca foi mencionada em nenhuma coluna de arte ou página de amenidades. Um talento sinuoso, desengonçado que, podem crer, vai pintar muito breve por aí. E agora ela está expondo suas galinhas, pavões e elefantes na Cordel. Jamil Snege, com entusiasmo, faz o convite: vá conhecê-los. Não há dúvidas de que o Intituto Histórico, Geográfico Etnográfico Paranaense é uma das entidades culturais mais abertas do país. Trimestralmente e generosamente sua diretoria acolhe dezenas de novos sócios, entre pessoas das mais diferentes atividades, dos quais, obviamente, poucos possuem trabalhos (publicados ou não) ou desenvolvem pesquisas profissionais no campo. Mas, o IHGEP, fundado há 77 anos, estimula todos que possam, eventualmente, desenvolver algum trabalho intelectual - e neste aspecto, entende-se a liberalidade de sua diretoria. Na terça-feira, por exemplo, serão recebidos mais 27 sócios efetivos e, no dia 26, nada menos que 57 sócios universitários. Estes serão saudados pelo professor (e livreiro) Aramis Chaim que, como sócio efetivo, será recebido na terça-feira. A Imaginação criadora funciona entre os vendedores de livros a metro. Por exemplo, uma firma chamada Projeto Nacional de Propaganda Educacional, com astutos vendedores está levando 31 livros "a pessoas escolhidas para os receberem" e, após deixá-los nos escritórios (ou casas) por algumas horas, apresenta a conta: Cr$ 2 mil. Títulos das coleções, encadernadas, oferecidas: "Novo Dicionário Enciclopédico Brasileiro Ilustrado" (10 volumes), "Enciclopédia de Parapsicologia e Espiritismo" (4 volumes), "Contabilidade ao Alcande de Todos" (3 volumes), "Ascensão e Queda de Getúlio Vargas" (3 volumes), "Dona Zizi - Receitas Famosas" (4 volumes), "Matemática Moderna" (3 volumes), "Compendio de Cultura Atual" (4 volumes) e "Coleção Doçura" (livros infantis, 6 volumes). Um total de 31 volumes, unitariamente a preço reduzido. Mas acontece que dificilmente alguém se interessaria por tais edições - encalhadas há muito e que, desta forma, estão sendo colocadas - com altos lucros para o revendedor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
22/05/1977

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