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A coleção de Luciano salva graças a David A coleção de Luciano salva graças a David

Graças a generosidade de um escritório de advocacia, o Paraná deixou de perder uma preciosa coleção da melhor música popular brasileira que estava ameaçada de ser transferida para outro Estado. Na tarde de terça-feira, 30, quando o secretário René Dotti, da Cultura, repassou para a Sra. Vera Braga Lacerda, o cheque de Cz$ 50 mil, ficou garantida a permanência em Curitiba da coleção que, durante 41 anos, foi formada pelo industrial, pesquisador e colecionador Luciano Lacerda (Lapa, 29/08/1920 - Curitiba, 13/04/1987). Desde a morte do estimado Luciano, há três meses, o destino de sua valiosa coleção preocupava a quem sabe do valor de um acervo fonográfico que reúne milhares de faixas com o que de mais expressivo foi gravado em nosso cancioneiro. Homem de extremo bom gosto, desde 1946 Luciano soube escolher e adquirir o que foi produzido de melhor, inicialmente em 78rpm e, posteriormente, em elepês - desde que o longa duração trouxe a grande inovação no mundo fonográfico (como o compact disc laser, presente neste final de década). Assim, com seus próprios recursos, Luciano formou uma discoteca de alto valor cultural, com discos que hoje inexistem no mercado e que só se encontram em mãos de poucos colecionadores. Cada disco histórico da MPB, como tantos que Luciano possuía, podem valer de Cz$ 1 a Cz$ 15 mil, dependendo do interesse do colecionador e da importância da intérprete. Afinal, se o primeiro elepê de Roberto Carlos (1962) chega a ter a cotação de Cz$ 10 mil (no sebo "Raridade", Rua Visconde do Rio Branco, no final de 1986), quanto é que não valem álbuns de Jacob do Bandolim, Ismael Silva e Pixinguinha, entre outros grandes da época de ouro da MPB? xxx O parto para que a discoteca de Luciano Lacerda pudesse ser incorporada ao Museu da Imagem e do Som foi difícil. De princípio, a Secretaria da Cultura não tinha recursos. O ex-governador Ney Braga, homem que sempre apreciou a melhor música brasileira, através da Itaipu-Binacional tentou viabilizar os Cz$ 200 mil, necessários a compra, mas não conseguiu devido a problemas burocráticos. Alertado o secretário René Dotti de que já haviam vários candidatos a adquirir o acervo, inclusive, particularmente, o próprio presidente da Associação de Pesquisadores da MPB, o carioca Albino Pinheiros, a Secretaria empenhou-se para conseguir uma dotação extra que cobrisse o custo - relativamente reduzido considerando o valor do acervo (afinal, um disco novo custa mais de Cz$ 200,00, e na coleção de Luciano estão mais de mil elepês, compactos e 78rpm). A burocracia emperrava uma decisão, até que o advogado David Deutscher, generosamente, ofereceu uma doação suficiente para, no prazo de 30 dias, permitir a aquisição do acervo. Advogado de prestígio, Deutscher é associado ao ex-secretário da Educação e Cultura no governo Paulo Pimentel, Carlos Alberto Moro, o que também deve ter contado para esta decisão praticamente inédita entre profissionais liberais: o desprendimento de oferecer recursos para evitar que um patrimônio cultural se perdesse. Afinal, além do interesse de Albino Pinheiro (e outros colecionadores do eixo Rio-São Paulo) a viúva de Luciano Lacerda, dona Vera, foi assediada por vários "sebos" de discos (em Curitiba já existem quatro), que desejavam adquirir os discos, para renegociá-los obtendo lucros elevadíssimos. Caso isso acontecesse, a coleção se perderia em sua unidade - pois embora a mesma cubra determinados artistas, refletindo as predileções de Lacerda, a mesma jamais seria possível de ser refeita pela inexistência da maioria dos discos que a compõe. xxx Há 3 anos, quando da entrega do "Solar dos Lacerda", na Lapa - a centenária residência do coronel Lacerda, tronco da família Lacerda, doada a Pró-Memória, Luciano havia ofertado, graciosamente, quase toda sua coleção de 78rpm, para que ali funcionasse o "Museu do Disco". Embora de difícil manuseio - pela fragilidade dos antigos "bolachões", os 78rpm que se encontram na Lapa, contém um grande período de nossa história musical. Luciano ainda doou material suplementar, inclusive uma coleção de 4 volumes da "Discografia da MPB" (1902-1964), com o levantamento de todas as gravações feitas em 78rpm, numa edição de poucos exemplares. Assim, ainda em vida, Luciano foi de uma grande generosidade ao se desfazer de uma parte histórica de sua coleção. Agora, os discos 78rpm que restaram, mais os compactos e elepês ficarão preservados no Museu da Imagem e do Som - ou então na divisão de multimeios da Biblioteca Pública do Paraná (considerando que o MIS não dispõe de espaço nem de pessoal para possibilitar o uso correto destes espaços).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
04/07/1987

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