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Aramis

Compositores & Intérpretes

Na proporção em que uma chamada "nova crítica" em termos de apreciação [musical], no campo da criação popular, começa a se fixar no Brasil, com trabalhos da profundidade um Gilberto Vasconcelos ou um Waldenyr Caldas (1), pode-se prever que, dentro de breve, passaremos a ter uma bibliografia ampliada, com um leque de interpretações, a respeito de novas tendências/caminhos de compositores/[intérpretes] que, por mais discutíveis que sejam suas propostas, merecem o rigor de uma apreciação capaz de ver mais do que o simples sucesso. Pois só unindo a visão crítica, a análise literária (letras), o embasamento harmônico- musical e, principalmente, o momento sócio-econômico-político é que se pode, na verdade, dimensionar trabalhos tão diversos entre si como dos nordestinos Belchior, Ednardo, Marcus Vinicius, os mineiros Beto Guedes e Milton Nascimento, os cariocas Macalé, os baianos Gil e Caetano - e mesmo nomes menores, que vão de Paulo Brito a Tony Bizarro. NO CEARÁ TEM DISSO SIM! Resultantes de uma leva de compositores-intérpretes que se poderia chamar de estágio do pólo-Nordeste após os baianos e os pernambucanos (Quinteto Violado, Alceu Valença, Geraldo Azevedo), Belchior e Ednardo se constituem em um capítulo, por si só, dos mais estimulantes, para uma análise sociológica da MPB nesta década. Nos últimos dois anos, estes cearenses obtiveram uma faixa de público junto a faixa jovem tão estimulante que já puderam trazer outros amigos (2), além de se dar ao luxo de apresentar um trabalho cada vez mais pessoal e descompromissado. Ednardo, há 6 anos em São Paulo, apesar dos méritos de seu trabalho, só conheceu o sucesso ao ter uma de suas músicas, [O] "O Romance do Pavão Mysteriozo" incluído na trilha sonora da telenovela "Saramandaia". Com isso o seu elepe, feito um ano antes e que permanecia encalhado, passou a vender de forma impressionante, levando a Victor a apressar [um] segundo elepe ("Do boi só se perde o BERRO", de 1976) e, por certo, dando condições de se poder agora, apresentar um trabalho ainda mais audacioso ("Azul e Encarnado", Victor, 102.0201, maio/77). Como Ednardo, seu companheiro de geração - e inclusive parceiro eventual - Belchior, também teve o seu primeiro lp feito na Chantecler, há 4 anos, recebendo poeira nas prateleiras das lojas , até que, em 1975, [Elis] Regina incluiu duas de suas [músicas] ("Como Nossos Pais" e "A Mesma Roupa Colorida"), em seu show "Falso Brilhante", para que passasse a ser disputado pelas gravadoras: "Alucinação", seu segundo LP, saiu no ano passado pela Philips, precedido de imensa campanha publicitária, mas nem por isso permaneceu naquela gravadora. Foi um dos primeiros contratados por André Midani quando este deixou a Phonogram e assumiu a presidência da WEA Discos Ltda. E com o poderio econômico da Warner, Belchior fez um dos discos mais caros do ano, com o requinte de ter a parte das cordas gravadas nos Estados Unidos. Paralelamente a edição do lp ("Coração Selvagem", WEA 36.027), Belchior inicia um circuito de apresentações em teatro, que começou no Teatro Theresa Rachel, no Rio, na semana passada e obrigatoriamente incluirá Curitiba. Enquanto em Ednardo a música é superior [às] letras, com Belchior ocorre o contrário: é um letrista de imensa força mas cujas melodias não chegam a impressionar. Sua voz rude, um pouco ácida, exigem também várias audições para ser devidamente compreendida. Os dois, entretanto, [têm] os méritos de apresentar um trabalho pessoal, capaz de identificação com uma faixa de consumidores jovens, numa linha que alguns insistem em aproximar ao dito rock nordestino. Nos parece que títulos e adjetivações em termos do trabalho de Ednardo, Belchior e mesmo de Fagner - o primeiro do grupo cearense a gravar, já há 5 anos passados - pouco dizem. O importante é ouvir e tentar compreender as suas propostas, [áridas] muitas vezes, melancólicas ou românticas mas identificadas com um novo tempo. Ednardo, neste seu terceiro LP pela RCA Victor, onde acumulou também a produção, rodeou-se do parceiro Fagner, no vocal de uma faixa ("Pastora do Tempo"), para as suas 11 novas músicas: "Está Escrito", "Pastora do Tempo", "Cantigal do Bicho da Cerca", "Cheros e Choros", "Receita de Felicidade", "Somos Uns Compositores Brasileiros", "Boi Mandigueiro", "Como é Difíciol Não Ter 18 Anos", "Armadura", "Fia da Meada" e "Idéias". Já é Belchior; pela própria extensão de algumas letras, foi mais econômico em seu elepe: apenas 9 composições, todas com letra e música próprias: "Coração Selvagem", "Paralelas", "Todo Sujo de Baton", "Caso Comum de Trânsito", "[Pequeno] Mapa do Tempo", "Galos, Noites e Quintais", "Clamor no Deserto", "Popolus" e "Carisma". DOIS PERNAMBUCANOS Marcus Vinicius não pode ser chamado, em absoluto, de um novo compositor-[intérprete]: há mais de 10 anos na estrada, com experiências das mais válidas no laboratório de som acústico do MAM, desenvolvendo um trabalho dos mais conscientes, teve o seu primeiro lp ("Dédalus", Continental/74) incluído como um dos melhores daquele ano. Mas só no final do ano passado, saiu o segundo álbum ( "[Trem] dos Condenados", Discos Marcus Pereira, MPA 9.351), assim mesmo a tempo de, para os críticos que o receberam em dezembro, o incluírem entre os melhores do ano, novamente. Para nós que só em fevereiro o recebemos, Marcus Vinicius, com este seu novo trabalho classifica-se entre os melhores do recenseamento de 77. Lamentável apenas que não se dedicando exclusivamente a divulgar o seu trabalho - é o diretor artístico da atuante Discos Marcus Pereira Marcus Vinicius ainda seja um compositor-[intérprete] conhecido apenas por uma elite. Este seu "Trem dos Condenados" é um disco de uma força extraordinária, em músicas e letras, todas integradas de um profundo sentido de brasilidade, algumas vezes crítico, "Trem dos Condenados", onde diz, referindo-se ao seu próprio disco: "Nesse trem que avança ligeiro e bem certo/Sem chegar a nenhuma estação ... de rádio/Sem fazer nenhuma parada... De Sucesso"[.] Outras vezes Marcus desenvolve propostas de um racional vanguardismo, como em "Grrr...", "Lygia Fingers" e "Pingo", voltando a um nostálgico e honesto lirismo pernambucano, por exemplo com "Fábula do Capibaribe". Enfim, um disco tão rico, repleto de enfoque, para justificar uma interpretação bem mais longa. Há cinco anos, Geraldo Azevedo dividia com Alceu Valença um elepe na Copacabana, primeira chance dos dois pernambucanos no panorama nacional. Alceu conseguiu uma projeção antes, já tendo hoje 2 elepes em catálogo, como solista, além de várias faixas de "A Noite do Espantalho" (trilha sonora editada pela Continental), filme de Sergio Ricardo onde aparecia no papel-título, Geraldinho, que também atuou como ator e musicalmente no filme de Ricardo, ganha agora o seu primeiro lp-solo (Som Livre, 403.6115, junho/77), um dos bons lançamentos da Sigla em seu penúltimo suplemento. Dividindo músicas com Alceu Valença ("Correnteza", "Talismã") e Carlos Fernando ("Barcola do S. Francisco["], "Domingo de Pedra e Cal", "Em Copacabana", "Juritis e Borboletas" e "Coração do Agreste"), além de duas faixas exclusivamente de Fernando ("Fulo do Dia", e "Cravo Vermelho"), Geraldo Azevedo credencia-se numa posição de destaque dentro da nova música brasileira. Autor e [intérprete] de muita força, que justifica ser analisado, também com mais vigor. Chamamos atenção especialmente para uma faixa: "Cadê Meu Carnaval", que Geraldo adaptou do folclore angolano, com destaque especial para percussão, [dividido] entre Robertinho Silva, Paulinho Braga, Nenê da Cuíca e Wilson Canegal. AH OS BAIANOS - Anualmente, os discos de Gil e Caetano são aguardados com imensa expectativa. Com bons discípulos dos Beatles, estes astutos baianos sabem como criar toda uma situação promocional, capaz de fazer com que uma legião de admiradores - e mesmo contestadores [às] suas obras - se interessem. Desta vez partiram para entrevistas audaciosas, renegando valores tradicionais e fazendo declarações de simpatias políticas. Tudo isso, bem distribuído nas regras do marketing, deverá garantir a "Refavela" (Philips, 6349329, julho/77) e "Bicho" (Philips, 6349327, julho/77) vendagem das mais expressivas. Em ambos, reflexos das últimas vivências destes dois criadores/reformuladores que, a partir de 1967, vem procurando balançar o coreto da MPB, sempre com novas propostas. Gil e Caetano partem agora para integração de experiências musicais e pessoais vividas em recente viagem a Nigéria, ao mesmo tempo que o primeiro, preocupado em faturas com shows em clubes da Zona Norte, acompanhado pela polêmica Banda Black Rio, se propõe a oferecer um som "mais dançante". A música-título do elepê de Gil prossegue, diretamente as idéias de "Refazenda" (1976), enquanto que "Ilé Ayê", "Babá Alapalá", "Balafon" e mesmo "Patuscada de Ganchi", são faixas representativas desta nova fase de africanidade do baiano Gilberto Passos Gil Moreira. Uma homenagem a Tom é a gravação de "Samba do Avião", um dos mais dançáveis temas da Bossa Nova, que teve na hoje desaparecida (artisticamente) Elsa Laranjeira a sua primeira grande intérprete. Caetano Veloso, menos dançável e melhor cantor que Gil, também não esconde suas influências africanas neste disco-77: no longo texto que preparou para a imprensa, explicando música por música (esclarecedoras notas que mereciam constam de todas as cópias do álgum) ele conta como nasceu cada música deste elepê, detalhando, por exemplo que "Two Naira Fifty Kobo: (faixa 2/lado 1) "foi o apelido que o pessoal botou no motorista que trabalhava para gente em Lagos". Da época dos "Doces [Pássaros]", [são] duas faixas: "Gente" e, de longe a melhor faixa do lp, "Um Índio" (que Bethania já havia gravado anteriormente). Depois temos a chamada fase zoológica com a insinuante e sensual "Tigresa" e "O Leãozinho", além de uma esvoaçante "A Grande Borboleta", "Alguém Cantando" traz uma novidade, a mana Nicinha, que até agora não tinha se lançado nos caminhos dos irmãos Caetano/Maria Bethania, mostra sua boa voz. Tanto Gil como Caetano são bastante cuidadosos nas produções de seus discos. Assim há toda uma integração de som/momento/espaço, com a participação de instrumentistas identificados num mesmo espírito. O que resulta num trabalho harmonioso, instigante e criativo. OS MINEIROS - Para Luiz Augusto Xavier, nosso bom colega de redação, o inteligente disc- review do "Diário do Paraná", Beto Guedes, com o seu primeiro lp-solo ("A Página do Relâmpago Elétrico", Odeon, EMCB, 7021, MAIO/77), é uma das grandes revelações do ano. Não que Beto seja um estreante, mas é que até agora ele só havia mostrado sua voz, em "Fé Cega, Faca Amolada", no lp "Minas" (Odeon, 1975), e em duas faixas, em um álbum dividido com Novelli, Toninho e Horta e Danilo Caymmi (Odeon, SMOFB 3777, maio/73). Em compensação, o som de sua guitarra pode ser identificado em quase todos os discos de Milton Nascimento, do qual é um dos maiores amigos. E justamente agora, quanto Milton internacionaliza e alcança as honras de superstar no Brasil, os integrantes do chamado "grupo mineiro" lançam-se em discos solos. Beto Guedes, de origens betleaneanas inegáveis e assumidas, se propõe a uma faixa específica de público. A quem se entusiasme - como LAX, por este seu trabalho, há quem o recebe com reservas - embora reconhecendo os méritos de Guees, sua habilidade nos instrumentos de cordas (bandolim, baixo e guitarra), além de bateria em algumas faixas, e uma voz bastante diferente. Mas no geral preferimos ainda o original - ou seja Milton Nascimento, cujo vigoroso "Geraes" (Odeon, 7020), lançado em dezembro/76, também ficou, em termos de recenseamento dos melhores, para 77, pois somente em janeiro chegou a Curitiba. "Geraes", passados sete meses de sua primeira audição continua a ser um dos mais instigantes discos do ano, tendo ainda o mérito de ter incluído a admirável Mercedes Sosa cantando "Volver a Los 17" de Violeta Parra e a participação de Chico Buarque numa nova versão de "A Flor da Terra". NOTAS (1) Gilberto Vasconcelos acaba de publicar pela Graal um livro reunindo ensaios sobre MPB, anteriormente editados em jornais e revistas; pela Companhia Editora Nacional, Waldenyr Caldas está lançando um ensaio, de nível universitário, sobre música sertaneja e indústria cultura. (2) Fagner, outro do grupo cearense, já com 3 elepês gravados é agora produtor da CBS, por onde lançou, há 2 meses, uma nova e interessante cantora: Amelinha.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal da Música
26
21/07/1977

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