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Aramis

"A cor púrpura" da emoção de Spielberg

Steven Spielberg decidiu levar à tela o romance "A Cor Púrpura", de Alice Walker - ganhadora do Prêmio Pulitzer - porque desejava provar que não sabia fazer apenas filmes "para crianças" - leves e digestivos. Assim, com toda a competência, fez um dos mais belos filmes desta década, que começa numa pequena cidade da Georgia, em 1906, quando a jovem Celie, ela mesmo pouco mais que uma criança, dá a luz a duas crianças, geradas pelo homem que ela chama de Pa - o qual afasta dela os recém-nascidos, e não lhe dirá mais nada sobre os seus destinos. Sustentada por estreito laço a sua irmã caçula Nettie (Akosua Busia), Celie (Whoopi Goldberg anula sua própria identidade e é maltratada - primeiro por Pa (Leonard Jackson) e, depois pelo homem a quem chama de Mister (um viúvo com quatro crianças, a quem Pa a havia dado). Celie abre seu coração em cartas, primeiro para Deus, depois para sua irmã ausente, Nettie. Só em 1921, quando a cantora de blues Shug Avery (Margaret Avery), a filha do pastor adorada por Mister, entra na vida de Celie, que ela começa a revelar seu espírito brilhante e a desenvolver uma consciência do seu próprio valor e do mundo de possibilidades que se encontram abertas para ela. Seu desabrochar é pleno quando Shug lhe entrega dúzias de cartas, retiradas por Mister durante anos, escritas para ela por sua irmã Nettie, agora uma missionária na África. O aflorar da identidade de Celie torna possível o reencontro de todos os que ela ama. Canto da Vida - Partindo de uma história narrada apenas em cartas no romance de Alice Walker (editado no Brasil pela Marco Zero), Menno Meyjes e Spielberg desenvolveram um roteiro perfeito: "A Cor Púrpura" é daqueles filmes-emoções, que penetram no espectador como um arpão. Tendo tudo para se transformar num melodrama - afinal, a via-crucis de Celie é de sofrimento do início até mais da metade do filme - vai acontecendo uma elevação do astral dos personagens, com o público identificando-se à luta da personagem humilhada, espezinhada, sofrida que, pouco a pouco, (re)descobre seus direitos e a dignidade que o machismo lhe havia negado. Indicado em 11 categorias aos Oscars de 1986 - menos a de diretor - e sem ter obtido uma única premiação, "A Cor Púrpura" vai ficar na história da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood como mais uma clamorosa injustiça. No mesmo ano em que "Entre Dois Amores" (Out of África, de Sidney Pollack ) levava a maioria das premiações, "The Color Purple" era, categoria a categoria, esquecido. Uma injustiça gritante, considerando a humanidade, a beleza, os grandes sentimentos que este filme irradia - provando que os membros da AACCH, realmente, estão de marcação contra Spielberg - talvez pelo fato de se ter tornado, antes dos 40 anos, um dos mais ricos diretores-produtores de toda a história do cinema americano. Afinal, no ano passado, "O Império do Sol", outro filme maravilhoso que soube realizar, também foi esquecido na festa dos Oscars, apesar das várias indicações. Mas "A Cor Púrpura" não é apenas emoção. Reunindo um elenco basicamente de intérpretes negros Spielberg transformou Whoopi Goldberg, até então apenas atuando na Broadway, numa das atrizes mais comunicativas deste final de década (embora ela esteja aparecendo em filmes indignos de seu talento), revelou também Margaret Avery, Oprah Winfrey e Willard Pugh, deu a Danny Glover um papel excelente, solidificando-o como ator - ele que já havia aparecido no emocionante "Um Lugar no Coração" (A Place in the Heart) e também em "A Testemunha". O veterano Adolph Caesar, que faleceria pouco depois, também está excelente como o pai do personagem Mister. Todo o elenco, enfim, é marcante e, como curiosidade, vale anotar, que como um músico africano aparece o brasileiro Paulinho da Costa, percussionista que há anos reside nos EUA. A trilha sonora - editada no Brasil pela WEA, álbum duplo (possível ainda de ser encontrada em algumas lojas) é excelente, trazendo Tata Vega dublando Shug Avery e com uma seleção que inclui temas inéditos de Quincy Jones/Lionel Richie, ao lado de músicas tradicionais, além de standards como "Body And Soul" (John Green) numa interpretação de Coleman Hawkins e sua banda; e "My Heart" (Lilian Armstrong), com Louis Armstrong e seu Hot Five. Filme merecedor de muitas análises, recém lançado agora em vídeo pela Warner, "A Cor Púrpura" é para ser visto na tela larga. A melhor programação da semana. LEGENDA FOTO - Danny Glover e Whoopi Goldberg em "A cor púrpura", o injustiçado filme de Steven Spielberg, agora em reprise no Cinema I. Somente às 20h30.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
8
06/01/1989

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