Críticas aos marajás nos sambas-de-enredo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de fevereiro de 1988
Aparentemente uma exaltação, Acadêmicos do Salgueiro no "Em Busca do Ouro" também é mordaz no samba que tem nada menos que nove autores (afinal, muitos querem dividir o bolo dos direitos autorais).
"Serra Pelada já está nua
Mas minha alegria continua
Nem de ouro, nem de prata
O cruzado tanto fez que virou lata".
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Em São Paulo, a E.S. Flor de Vila Dalila estará saindo com seu enredo-protesto: "Nova República me Engana que Eu Gosto", de Carlinhos de Pilares / Roberto Laranjal:
"Promessa fica na promessa
É hora de despertar
Chega de demagogia
Pra que tanta ironia
O povo está cansado de esperar
Pra que cultura
Se não há emprego
A fome no país não é segredo
Fabricam o trem parou a ferrovia
Falta de verba que o plenário discutia
Me engana que eu gosto
Reforma agrária cadê
O índio está cansado de sofrer
O leão virou hiena
Preocupado com a Nação
Marajá de bolso largo
Nem abala o coração
Enquanto o aposentado
Que merece mais respeito
O menor abandonado
Sofre com o preconceito".
Outra escola de São Paulo, a Imperador do Ipiranga, em "Sonha Brasil", une o alerta ecológico ("Ter o verde em nossas matas / Chega de devastação / Ver o povo respirando / Um ar sem poluição"), também faz o seu protesto:
"Eu quero...
Ter a minha casa pra morar
Dar aos meus filhos
O direito de estudar
Neste sonho
Ver o povo trabalhando
E o meu país prosperando
Porque... porque só você tem mordomia
Gasta grana de montão
Enquanto outros vivem
Sem tostão
Ah! Seu doutor, seu doutor
Eu quero tudo que você me prometeu
Você falou acreditei
Até agora na aconteceu
Bar... Bar Brasil
Berço das grandes resoluções
Pra quem se queixa que dá um duro danado
E é mal remunerado
Pra revoltado com as broncas do patrão
Ai, quem me dera se eu fosse um marajá
Ganhasse a vida sem precisar trabalhar
Mas acontece que é só a minoria
Que desfruta a mordomia nessa tal democracia".
Com "Templo do Absurdo", o G.R.E.S. Unidos da Tijuca preenche um espaço que antigamente era privilégio das marchinhas que o povo cantava: a crítica social. Embora tenha aparecido uma tentativa de falar dos Marajás, na voz de Francisco Egídio - mas sem qualquer divulgação, as broncas contra os marajás, inflação, pacotes, etc., se restringem nos sambas-de-enredo, como fará domingo a noite, no desfile da Marquês de Sapucaí, a Unidos da Tijuca, cantando:
"E segue o tormento
Congelaumentos... é o preço da alimentação
É o plano mal traçado
A bomba que estourou em nossas mãos".
O samba-de-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel, assinado por três compositores, parece o samba-do-criolo doido em termos políticos:
"Bye bye Brasil, beijim beijim
Encanta a Mocidade assim
A constituinte independente
Dividiu a nação naufragada
Em sete brasiléias encantadas
O progresso despontou
O cruzado se valorizou
E hoje nem saudades
Daquele Brasil devedor... que ficou...
Tchau, cruzado, inflação
Violência, marajás, corrupção".
Também a Imperatriz Leopoldinense mostra em "Conta Outra, que Essa foi Boa", a sua ironia em relação a Brasil-88:
"Eu vôo pra não esquecer
A vida tem que melhorar
O povo na constituinte
Vai ter mesa farta, sorrir
E até cantar
Quá, quá, quá, você caiu, caiu
É brincadeira
É primeiro de abril
Eu quero
É poder ser marajá
Gozar a vida
Pra vida não me gozar".
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