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Aramis

De como ver Brasília na ótica de seis cineastas

Em 1987, poucos dias após a Unesco ter concedido a Brasília o status de Patrimônio Mundial da Humanidade, realizava-se o XX Festival do cinema Brasileiro. O então governador do Distrito Federal, José Aparecido de Oliveira - hoje ministro da Cultura - reuniu os cineastas, jornalistas e artistas, convidados do evento, no Palácio Buriti e anunciou um projeto: a realização de um filme, em episódios, que mostrasse ao mundo o que é Brasília. Entre a promessa e a primeira projeção pública mundial de "Brasília: a última utopia" passaram-se dois anos. José Aparecido deixou o governo e assumiu o Minc, houve o Festival do ano passado - num clima de chuvas e trovoadas, devido hostilidades com o maestro Marlos Nobre (que substituiu ao poeta e jornalista Reynaldo Jardim na presidência da Fundação Cultural) e a produção do filme, a exemplo do que aconteceu com todo cinema brasileiro, sofreu sérias crises. Um dos mais elétricos e simpáticos animadores culturais de Brasília, José Pereira, 33 anos, assumiu a produção executiva do filme, ao qual se somaria, posteriormente, seu amigo Chico dos Anjos. Os recursos originalmente destinados ao projeto (pouco mais de US$ 200 mil, por parte do governo do Distrito Federal), mostraram-se insuficientes e se recorreu a generosidade da Fundação Banco do Brasil, entre outras fontes. Outra fundação - a do Cinema Brasileiro - colaborou na finalização, de forma que o filme, inicialmente previsto para ter seu lançamento no 29º aniversário da cidade, em 21 de abril, só ficaria pronto, em sua primeira cópia, na última semana de outubro, quando teve uma primeira projeção às autoridades do Planalto. A segunda cópia, com correções de luz, para angústia de José Pereira, só concluiu-se na tarde de domingo, 5, em São Paulo, 48 horas antes da exibição na noite de encerramento do Festival. Walter Carvalho, 47 anos, fotógrafo de dois dos seis episódios que compõem o filme ("A Paisagem Natural" e "A Capital dos Brasis"), pessoalmente, esperou a sua liberação e a conduziu, em mãos, para o Distrito Federal. Afinal, após tantos meses de esforços, a expectativa era intensa. Projetada na noite de encerramento do Festival - que nesta sua 22ª edição (1º a 7 de novembro) foi a mais bem sucedida dos últimos anos, "Brasília: a última utopia" - título sugerido pelo jornalista e ensaísta Gilberto Vasconcelos - não deixou de mencionar ao público que superlotava o cinema. Afinal, há 4 anos passados, um curta sobre a cidade, "Brasiliares", de Zuleika Porto e Sérgio Bazzi (crítico de cinema do "Correio Braziliense", apresentado no Festival, já havia entusiasmado, mas desta vez se tinha um longa-metragem - embora formado por seis episódios de 15 minutos cada (que podem, inclusive, serem vistos isoladamente mas perdendo a unidade com que foram concebidos). Valdimir Carvalho, paraibano de Itabaiana, 54 anos, 20 de Brasília, professor do curso de comunicação da Universidade, após seus bem sucedidos documentários "O País de Sansarue" (1977, proibido durante 8 anos pela censura), "O Homem de Areia" (1980, sobre o escritor e político José Américo de Almeida) e "O Evangelho Segundo Teotônio" (1984, sobre o senador Teotônio Vilela), há sete anos trabalha no projeto "Conterrâneos, velhos de guerra", que já reuniu 36 horas de filmes sobre as várias fases de Brasília. Com material próprio e de arquivo - incluindo preciosidades como as tomadas que o norte-americano Eugene Feldman ali fez em 1959, este acervo, atualmente em fase de montagem, em São Paulo, com o editor Eduardo Leone e assistência de Cecília Saint-Pierre, na moviola da USP-SP deve resultar num belíssimo longa (previsão de 3 horas de duração) que, se tudo der certo, talvez seja apresentado próximo Festival. Assim, Vladimir é o cineasta mais identificado com a memória visual de Brasília - e paralelamente ao trabalho que vem desenvolvendo na montagem prévia de "Conterrâneos, velhos de guerra", rodou o belíssimo material que resultou no primeiro episódio de "A Última Utopia": o ecológico "A Paisagem Natural" (ver texto específico nesta mesma página). xxx Se Vladimir Carvalho, como documentarista, e amigo do holandês Joris Ivens (1898-1989) - cuja autobiografia, "Memórias de um Olhar", coordenada pela Editora da Universidade de Brasília, preocupa-se em filmar o real, da Capital da Esperança, numa busca de suas origens, outros cineastas, ao longo destas três décadas, tem buscado Brasília, com sua arquitetura única, seu traçado de cidade do terceiro milênio, para obra de ficção. O mineiro Maurício Gomes Leite, 59 anos, hoje funcionário (em vésperas de aposentadoria) da Unesco, em Paris, mas importante crítico nos anos 50/60 em Belo Horizonte (foi um dos fundadores da "Revista de Cinema", que fez a cabeça de uma geração), foi o primeiro a ambientar em Brasília uma história de ficção, em sua única experiência de direção: "A Vida Provisória", thrilling com conotações políticas, rodado há 20 anos e que, na época, foi pouco entendido. Dez anos depois, outro mineiro, Alberto Graça, também faria um thrilling político tendo Brasília por cenário, "Memórias do Medo", recentemente reprisado na televisão. Sérgio Rezende ("O Homem da Capa Preta", "Doida Demais"), em "O Sonho Não Acabou", capturou a Brasília dos jovens filhos dos donos do poder, num história policial que, disfarçadamente tocava num crime real ali ocorrido. Gerson Tavares, cineasta pouco conhecido, no hermético "Amor e Desamor", também buscou os cenários de Niemeyer, enquanto outros filmes, embora sem terem relação direta com a cidade, tiveram muitas seqüências ali filmadas: "A Idade da Terra", de Glauber Rocha; "Tabu", de Julio Bressane e, há 14 anos, "O País dos Tenentes", de João Batista de Andrade, tão apaixonado pela cidade que já pensa em ali se fixar em 1990. Mais de 30 curtas-metragens trazem os mais diversos enfoques de Brasília - desde a visão técnica e fria até momentos apaixonados, como o elogiadíssimo "Contradições de uma Cidade", de Joaquim Pedro de Andrade. LEGENDA FOTO - Vladimir Carvalho e sua equipe - fotógrafo Walter, assistentes Leo Vasconcelos, André Benigno e Roque Fristh, nas rodagens de "A Paisagem Natural", episódio de "A Última Utopia".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
18/11/1989

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