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Aramis

De Matt a Cido, o retorno da Bossa

Há um pouco de exagero, convenhamos, em querer dizer que a Bossa Nova está renascendo através do trabalho de alguns compositores, instrumentistas e intérpretes ingleses. É bem verdade que a influência do que de melhor o Brasil produziu em termos sonoros nos últimos 30 anos atingiu dezenas de países - a partir dos Estados Unidos no início dos anos 60 - é natural que gente inteligente e sensível, cansada dos ruídos roqueiros, busque a ternura e suavidade que marcava a Bossa Nova dos bons tempos. Assim, a cantora anglo-nigeriana Sade, o duo Style Council e também Matt Bianco - para ficar em poucos exemplos - sentiram que, ao contrário do que muitos pensam (inclusive toda essa idiota geração de roqueiros tupiniquins, surgida nos últimos 3 anos) o filão da BN ainda tem muito ouro para ser explorado. "Whose Side Are Yon On" (WEA) com Matt Bianco é um exemplo da boa influência do estilo suave e criativo da BN mais sofisticada. O percussionista Robin Jones busca a batida 3/4 que tão bem marcou a nossa música, os metais - Ronnie Ross (sax barítono), Guy Barker (flugel horn), Chris Dean (trombone) e Luke Tanny (trumpete) e os percussionistas Charles Morgan e Peter Ross mostram também aquela suavidade cool, quase jazzística. A voz de Matt Bianco é agradabilíssima, amparado nos vocais de Mark Reilly e Basia Trzetrzelewska e nos teclados de Danny White - dizendo letras com emoção e poesia, características das canções de qualidade. O resultado é um disco que desce devagar, redondo e suave, com hits como "More Than I Can Bear", "Get Out Of Your Lazy Bed", "Sneaking Out The Back Door" e duas "Matts Mood" - encerrando os dois lados do disco. Enfim, uma música para jovens, feita por jovens - mas que pode, tranquilamente, ser absorvida por ouvidos alfabetizados musicalmente com mais de 40 anos. E saudosos da harmonia bossanovista. xxx Associadas a redes de televisão, as gravadoras montam lps digestivos dos mais agradáveis - geralmente com uma identificação temática. "Dolcemente... con Amor", produção coordenada por Manoel Barenbein, com seleção de repertório de Henrique Gastaldello/Marco Galvão, é o exemplo do disco para se ouvir antes e depois do amor. Produção da RCA/SBT, reune românticos intérpretes da música italiana - desde veteranos como Domenico Modugno ("La Lontananza"), Renato Rascel ("Romantica"), Teddy Reno ("Picolissima Serenata), Jimmy Fontana ("Il Nostro Concerto"), Nico Fidenco ("Legata A Un Granello Di Sabbia"), Gianni Morandi ("Zingara"), até gente mais jovem - e ainda pouco conhecida, como Guido Renzi ("TantoCara"), Riccardo Cocciante ("Bella Senz'Anima), Nicola Di Bari ("Un Grande Amore e Niente Piu"), Giusy Balatresi ("Una Lagrima"). Enfim, um disco comercialmente bem realizado, com marketing definido e feito para matar as saudades de quem aprecia a música italiana do estilo mais romântico. xxx Ademar Silva (São Lourenço do Sul, 1943), acordeonista e compositor gaúcho, pode ser desconhecido no Paraná. Mas no Rio Grande do Sul é um artista de público seguro, mais de dez lps gravados - entre 1961 até agora - e que com seu estilo animado, de muita comunicação, faz uma música alegre e descontraída. Comemorando 25 anos de carreira, Ademar gravou um lp com músicas de vários autores gaúchos - desde o missionero Cenair Maicá ("Rebenqueado de Saudade") ao esplêndido Leonardo ("Vai Doer", "Xote Antigo"), passando por composições próprias como "Assim Que Eu Gosto" e "Careca Feliz", esta em parceria com Bruno Neher, outro acordeonista de grande popularidade no Rio Grande do Sul. Na rica música regional, entre acordeonistas de vigor - e que hoje, graças ao fato de Renatinho Borghetti ter se transformado em superstar com sua gaita-de-ponto - Ademar Silva (não confundir com o superatleta negro, das olimpíadas) é um músico dedicado e fiel ao espírito sonoro de seu Estado. xxx Um dos mais bonitos discos instrumentais lançados em 1985 acabou passando despercebido. Um elepê muito bem produzido por Luca Salvia, da etiqueta O Som da Gente, com o pianista e compositor Cido Bianchi (Aparecido Bianchi, Ribeirão Preto, SP, 1935), que ao lado de Sabá (baixo) e Toninho (bateria) integrou o histórico Jongo Trio, em sua primeira fase (1965/1967). Excelente tecladista e compositor, quando o trio se dissolveu (Toninho e Sabá foram para o Som-3, conjunto liderado na época por César Mariano), Cido se tornou diretor musical dos shows da Rhodia e depois arranjador e compositor de jingles. Apesar da reestruturação do Jongo Trio em 1970, por Toninho, Claiber e Paulo Roberto, Cido Bianchi não se interessou em voltar a gravar com os antigos companheiros. Continuou fazendo jingles e, nas horas de folga, produzindo músicas da melhor qualidade, mas que mantinha inéditas. O trabalho profissional de jinglista no Nosso Estúdio e o estímulo de Walter Santos e Tereza Souza fez, finalmente, que voltasse a gravar um esplêndido lp. Produzido com calma (fevereiro a maio/85), com a participação de ótimos músicos - como Natan Marques (guitarra), Arismar (baixo), Tico (bateria), Toninho Pinheiro e Oswaldinho da Cuica na percussão, mais Gil (piston), e Proveta (sax alto), o lp de Cido tem aquelas músicas suaves, balançantes - feitas por quem tem talento. Embora basicamente instrumental, não deixa de haver bons momentos de vocalização, com a participação de Jane Duboc, mais Cidinha, Rita, Carlinhos e o próprio Cido. Das 10 faixas, oito são de Cido, mas as exceções foram certas: "Samurai" (Djavan), com a participação do pistonista Marcio Montarroyos (e Jane Duboc), e "Dengosa", de Walter Santos, dono do Nosso Estúdio, violonista, compositor, que há 24 anos fez dois históricos lps e que, obrigatoriamente, deve voltar a gravar um novo disco. Afinal, condições para tanto não lhe faltam...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
23
02/03/1986

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