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Denise, o gesto, a emoção e a ternura

O mestre Aurélio Buarque de Hollanda define mímica como "maneira de quem tem mimo", explicando, linhas abaixo, que "no antigo teatro greco-romano, farsa popular, entremeada de danças e jogos, no qual se imitavam os caracteres e costumes da época". Para os brasileiros, mesmo a privilegiada faixa que acompanha os espetáculos artistico-culturais, a mímica é ainda uma arte estranha. Estranha pela falta de tradição e intérpretes, numa linha de criação que remonta a Grécia e Roma antigas, mas que, ao longo dos séculos teve sempre um pequeno desenvolvimento. Uma espécie de ovo-de-colombo que, aos não informados, parece simples mas, na verdade é uma das mais difíceis formas de comunicação artística. A mímica exige de quem a ela se propõe uma dose especial de ternura, sensibilidade e, especialmente garra capaz de vencer as múltiplas dificuldades que enfrenta. Ricardo Bandeira seria hoje um artista de prestigio internacional nesta área se sua carreira não tivesse sofrido tantas interrupções, levadas por razões de ordem pessoal. Aluno de Marceal Março e Jean Louis Barrault dois dos mais notáveis mestres desta arte, Bandeira chegou a levar multidões em estádios na URSS, onde a mímica sempre teve um grande público. No Brasil, entretanto, ficou mais conhecido pelos espetáculos que deixou de apresentar, do que os realizados. Ainda há alguns meses, vindo a Curitiba para uma temporada de 4 dias, acabou abandonando o teatro na primeira noite. Agora, no Rio, apresenta um espetáculo onde substitui o gesto pela palavra: em "O Jovem Marx", coerente com sua ideologia, propõe uma revisão política, ele que no passado, já fez experiências das mais audaciosas, partindo de textos shakespeareanos ("Ricardo III", "Hamlet") e chegou a realizar um filme lírico e belo, segundo os que o viram: "A Infância de Jesus". Assim, frente a uma arte tão desconhecida por parte do público, é emocionante e feliz reencontrar no palco (miniauditório Glauco Flores de Sá Brito, do Guaíra, entrada pela Rua Aminthas de Barros), uma atriz de 30 anos, paranaense de Irati, que apresenta um dos espetáculos mais belos já mostrados em nossa cidade. Denise Stoklos, uma moça que ao longo de sua vida tem assumido toda uma extraordinária sensibilidade, chegou à mímica após anos de vivência em palcos, desde que, numa sessão da meia noite, no finado Teatro de Bolso na Praça Ruy Barbosa apresentava seu texto "Circulo na Lua, Lama na Rua". Num texto extremamente conflitante para os seus então incompletos 16 anos, Denise antecipava toda uma voltagem artística que se cristalizaria em trabalhos marcantes com vários diretores Antônio Carlos Kraide, Oracy Gemba, Cláudio Corrêa e Castro, Adhemar Guerra, Antunes Filho, Luiz Antônio Martinez Corrêa, Fauzi Arap entre outros, com os quais atuou entre 1966/1977, entre Curitiba-São Paulo-Rio. Depois de um primeiro casamento, andanças pelo mundo: a primeira filha nasceu em Capetown, África do Sul, o segundo foi concebido em Londres e par que nascesse no Brasil, Denise retornou a Curitiba há dois meses. E durante temporadas em terras distantes especialmente em Londres, Denise decidiu assumir uma nova técnica de comunicação: a mímica. Na escola de Desmond Jones, em Starfield Road, teve preciosos ensinamentos que, meses depois, lhe valeriam elogios ao estrear um espetáculo que, em dias alternados, teve 4 meses de aplausos. Perante um público rigoroso, que não tenha, no mínimo, competência profissional. De volta a Curitiba, uma semana após a maternidade Denise já começava a pensar num curso de mímica, que, experimentalmente realizado na Fundação Teatro Guaíra, obteve tanto êxito que está sendo intimada pelos alunos (e demais interessados) a dar continuidade num projeto que, se a Fundação Cultural de Curitiba souber prestigiar, poderá resultar num importante núcleo de mímica em Curitiba. Desde quinta-feira, Denise apresenta no miniauditorio do Guaíra um espetáculo de emoção, sensibilidade e intensa criatividade. Por 60 minutos, sem intervalo, apresenta 14 "tablaux" onde "passa" toda uma carga de vida, sentimento e visão muito pessoal dos homens & dos fatos. Como se tomando por filosofia o poético ensinamento de Drummond - "se queres ser universal, cante a sua aldeia" -, já em Londres, Bruxelas ou nas cidades alemãs onde se apresentou, Denise não abria mão de sua brasilidade. Na trilha sonora, canções de João Bosco, Beto Guedes e até "A Marcha dos Índios Quiriri", que o Quinteto Violado revelaria ao Brasil em 1972, e que para nós, naquele ano, foi o mais belo tema instrumental, emolduram o universo que Denise, sozinha no palco, com poucos adereços - mas uma maquilagem perfeita, iluminação cuidada e sobretudo a mais perfeita expressão corporal - conseguem transformar num espaço amplo, como se estivessem presente, dezenas de artistas. Da "Vida Noturna", da canção de Bosco/Blanc, que abre o espetáculo, a "Índia" com "Marcha dos Índios Quiriri", Denise completa um primeiro movimento onde inclui a própria catarse teatral "Zeladora de Teatro", "Zélia Dora em Teatro"), a crítica ao feminismo ("Anúncio Falado"), o terror nuclear (um dos quadros mais criativos, onde apenas um balão passa a mensagem). Mesmo sem intervalo, o segundo movimento integra os vários quadros. Abrindo com uma pessoal e bem humorada - inversão do "strip-tease", denominada de "tease-strip" e com a perfeita música que Davi Rose compôs em 1962 para a trilha de "Vênus A Venda"(The Stripper, de Franklin F. Schaffner, com Joanne Woodward e Richard Beymer), Denise cria o momento mais amplo, na fusão mímica-teatro, chegando a lembrar Charles Chaplin (1889-1977), que sem ser tecnicamente (apenas) um mímico, foi quem, talvez, melhor utilizou as possibilidades desta arte no cinema. "Argumento", "Por Ninguém" e "A Palavra", se integram numa pureza e ternura que comovem o público. Numa opção para mostrar que a palavra pode também entrar num espetáculo de mímica, Denise inclui frases no quadro "Mulher de sua vida", numa colocação tecnicamente aceitável - mas que frente à beleza de todo o espetáculo, poderia ser dispensável. No "Adeus", as letras retiradas de uma caixa, formam a palavra "Fim" - nestas alturas sob aplausos do público.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
9
21/10/1980

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