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Desordem do Largo expulsa o padre Júlio e dona Inge

Há mais de 20 anos que o padre Júlio Pareda é o estimado pároco da igreja da Ordem. Espanhol de nascimento, veio para o Brasil ainda jovem e como responsável por uma das igrejas mais tradicionais de nossa cidade ali se tornou uma personalidade querida. Apesar de octogenário, demonstra um vigor físico que o faz suas pregações sempre serem admiradas pelos fiéis que, mesmo com o esvaziamento progressivo que os templos católicos têm sentido, comparecem nas missas diárias e, especialmente aos domingos pela manhã. Entretanto, o estimulado padre Júlio está cansado. Aborrecido. Revoltado. Ele, que sempre viu ao Largo da Ordem, na área mais antiga de Curitiba como um dos símbolos de uma cidade humana e cristã, sente-se hoje acuado - e até assustado - pela violência, balbúrdia e desordem em que o setor histórico-tradicional foi transformado. Aos fiéis e especialmente a amigos, como a Sra. Ingeborg Rust, sua vizinha, proprietária do restaurante Humel-Humel, o padre Júlio já confirmou: se tiver condições, quer retornar à Espanha. "Quero morrer em paz e tranquilidade e embora nunca tivesse pensado em deixar o Brasil, não vejo outra solução", revelou dias atrás. xxx Ingeborg Marie Leonie Rust Tigges, alemã de Essen, 59 anos a serem completados no próximo dia 16 de março, desde 1953 em Curitiba, há anos resiste as mais tentadoras propostas para vender o Humel-Humel - classificado pelo Guia Quatro Rodas - como um dos melhores restaurantes alemães do Brasil. Desde que inaugurou, em 4 de fevereiro de 1981, o seu restaurante tornou-se um ponto referencial de Curitiba. Somada a qualidade da cozinha - que sempre procurou supervisionar, o relacionamento de Inge na comunidade alemã, viúva do ex-diplomata Ernest Tigges, com quem abriria em 1954 a primeira agência de turismo receptivo do Paraná - a Aeromar, poliglota (fala 6 línguas), professora de centenas de curitibanos ilustres, Inge trabalha mais de 15 horas por dia em seu restaurante. Financeiramente independente - possui dezenas de imóveis em Curitiba, propriedades em vários municípios e também na Alemanha, o restaurante foi sempre uma paixão - desde os tempos em que fundou o lendário Trocatero (um dos mais simpáticos endereços na primeira quadra da XV de Novembro dos anos 50). Hoje, Inge também se mostra cansada e desanimada. Embora tendo uma boa freqüência - executivos e turistas estrangeiros, famílias tradicionais, artistas, que apesar dos problemas da área sempre prestigiam sua casa - enfrenta problemas de repouso. Vivendo no apartamento superior ao restaurante, o barulho no Largo da Ordem - poluído por gritaria, veículos com escapamento aberto etc. -, lhe tiram o sossego. Assim como o padre Júlio, ela confessa que passa noites sem dormir. Aliás, com a carnavalesca festa de reveillon que a Fucucu e o deputado Rafael Greca de Macedo promoveram no último dia 31 de dezembro, agredindo até a entrada da Igreja da Ordem, provocou irados protestos do padre Júlio, que liderou um manifesto com mais de 300 assinaturas enviado ao arcebispo e que foi inclusive divulgado pela imprensa (*). Inge está disposta a vender - "por um preço dos mais convenientes" - o Humel-Humel (térreo do Edifício Adolpho Romanó, Largo da Ordem), também por uma razão familiar: sua filha, Gabriela reside há 12 anos nos EUA, e após doutorado em Educação Física - e vencer campeonatos de esgrima, é hoje próspera empresária no setor de construção e seguros em San Francisco, Califórnia. Casada com o executivo Mohamed Hillany, mãe de um belo garoto, Akel Ingo, 16 meses, vem insistindo para passar alguns meses com ela. Saudosa da filha e do neto - que só viu quando ele nasceu em 18/6/90, Inge, afinal decidiu vender o seu restaurante. Mostra a foto da filha e neto, e comenta: - Gosto de Curitiba, tenho o maior prazer de atender a todos no meu restaurante, mas não agüento mais. Afinal, acho que está na hora de eu descansar e poder viver mais próximo de minha família, diz Inge (cujos traços lembram a atriz Simone Signoret), uma daquelas pessoas generosas - sempre auxiliando os outros, fazendo atividades filantrópicas e dirigindo a Sociedade Protetora dos Animais, que praticamente subvencionou em várias ocasiões, "mas da qual me afastei, desiludida pelas promessas de apoio recebidas da prefeitura e que, infelizmente, nunca foram cumpridas". xxx Nota (*) O manifesto de protesto, encabeçado pelo padre Júlio Pareda, teve ampla distribuição e deverá motivar pronunciamentos oficiais na Câmara de Curitiba na próxima semana. Cópias foram encaminhadas às autoridades e lideranças políticas de maior expressão. LEGENDA FOTO - A filha Gabriele e o neto Ingo, em San Francisco, EUA: uma razão a mais para Ingeborg vender o "Humel-Humel" e deixar o Largo da Desordem curitibano que lhe tira o sono e a saúde.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13/02/1992

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