Dora reeditada e o romance de Bichara
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de fevereiro de 1985
Dois ótimos romances editados pela José Olympio: a sexta edição de "Dora Doralina" e a primeira de "Carcará" de Ivan Bichara.
Com um novo tratamento visual - (a capa reproduzindo a edição francesa de Editions Stock) o reaparecimento de "Dora, Doralina" coincide com a estréia do filme que Perry Salles/Vera Fischer realizaram com base neste já clássico romance de Rachel de Queiroz. Infelizmente o filme, apesar da seriedade com que foi realizado, não está tendo a aceitação merecida. Para compensar, a leitura do romance continua a ser deslumbrante a todos que sabem apreciar a boa literatura. Rachel conta nas 262 páginas deste romance as dores e as alegrias de uma mulher intensa. Intensa já no próprio nome: Dora, Doralina.
Rachel de Queiroz (Fortaleza, Ceará, 17/11/1910) estreou no romance em 1930, com "O Quinze" - saudado com o maior entusiasmo na época - aos quais se seguiram, igualmente aplaudidos, "João Miguel" (1932), "Caminho de Pedras" (1937), "As Três Marias" (1939) e "Dora, Doralina", cuja primeira edição saiu em 1975 já pela José Olympio. Adonias Filho, com sua seriedade, afiançou em torno desta obra: "E por isso mesmo, embora todos os componentes literários se articulem em função do romance, é na personagem que se estabelece o elemento decisivo. O exemplo maior outro não será senão Dora, ou Doralina. A aparição é tão sensível na dimensão humana - vivendo, amando, sofrendo - que a temos em carne e sangue e nervos como símbolo e imagem da nossa própria condição. Um livro de extraordinária personagem - que não permite a interrupção da leitura.
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Paraibano de Cajazeiras, 67 anos, Ivan Bichara (Sobreira), em sua biografia lembra outro intelectual daquele Estado - o admirável José Joffilly, historiador de mão cheia, hoje radicado em Londrina, presidindo a Herbitécnica. Advogado, jornalista, Ivan Bichara teve longa vivência parlamentar a partir de 1946 e chegando, de forma indireta, ao governo da Paraíba em 1975. Em 1978 foi candidato ao Senado mas não conseguiu eleger-se. Com dois ensaios literários publicados, afora cinco outros títulos entre palestras discursos e teses, vê agora em letra de forma o seu primeiro romance - "Carcará" (Livraria José Olympio Editora, 280 páginas, Cr$ 14.100,00, capa de Cyro), enquanto prepara uma segunda obra de ficção: "Tempo de Servidão".
O prefácio é assinado por um respeitado crítico e ensaísta, Antônio Carlos Villaça, que afirma: "Carcará é toda a intensidade do Nordeste, recriada por um autêntico escritor, um romancista maduro".
Mas não se trata, simplesmente, de mais um livro sobre o Nordeste, seu drama secular, comovente. Contando as "estórias" de alguns personagens presentes quando do assalto dos cangaceiros do bando de Sabino Gomes (lugar-tenente de Lampião) à cidade de Cajazeiras, em 1926, Ivan Bichara nos dá um romance apaixonante. A força da narrativa vem da ação, da trama urdida com segurança técnica e o realismo mágico de certas situações; e, sobretudo, vem do "esplêndido estilo literário" - como diz Villaça - com que o romance foi elaborado. Um estilo sóbrio, seco, preciso, em que se mostra astúcia, a crueldade, o misticismo dos cangaceiros, a par da vida das pessoas humildes, postas à margem da sociedade, e que se transformam, afinal, na maioria que vai defender a cidade, sede de um bispado e de dois colégios conhecidos em todo o sertão.
Confessando sua alegria, espanto e admiração diante do romance, Villaça exclama:
- "A Paraíba de Augusto dos Anjos, de José Américo de Almeida e de José Lins do Rego revive neste romance".
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