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Aramis

Elomar, o trovador da caatinga e seus bodes, segundo Vinícius

Se durante seis anos pouco se falava em Elomar Figueira de Mello, a partir de 1979, com a edição de "Na Quadrada das Águas Perdidas", produção independente, feita em Salvador, e que só depois foi reeditada e colocada nacionalmente pelo astuto Marcus Pereira, este baiano, único em sua musicalidade, passou a ser notícia. Roberto Santana, produtor e empresário, figura polêmica nos meios musicais, ex-integrante da Polygram, hoje com um escritório de assessoramento artístico no Rio, foi quem teve o mérito de conseguir fazer Elomar concordar em gravar o seu lp "...Das Barrancas do Rio Gavião". Santana levou uma noite Elomar na casa de Vinícius de Moraes, então casado com a baiana Gessy, morando na praia de itapoã, e o poeta ficou tão entusiasmado com a música e estilo de Elomar que fez um belíssimo texto de contracapa da edição do disco. Reeditado em 1978, na "Fora de Série", da Polygram, o texto de Vinícius foi excluído, bem como o encarte, com as letras das músicas. Como Elomar está na cidade, para a "Parceria", amanhã no Paiol e 3 anunciadas apresentações (uma das quais, dia 1º, no improvisado palco do Alto do São Francisco, totalmente impróprio para o seu tipo de música, que exige atenção e boa acústica), nada mais oportuno do que aqui transcrever o que disse o poeta Vinícius a seu respeito, em abril de 1973. Afinal, o poeta sempre soube das coisas. xxx "A mim parece um disparate que exista mar em seu nome, porque um nada tem a ver com o outro. No dia em que "o sertão virar mar" como na cantiga, minha impressão é que Elomar vai juntar seus bodes, de que tem uma grande criação em sua fazenda "Duas Passagens", entre as serras da Sussuarana e da Prata, em plena caatinga baiana, e os irá tangendo até encontrar novas terras áridas, onde sobrevivam apenas os bichos e as plantas que, como ele, não precisam de umidade para viver; e ali fincar novos marcos e ficar em paz entre suas amigas, as cascavéis e as tarântulas, compondo ao violão suas lindas baladas mirando sua plantação particular de estrelas que, no ar enxuto e rigoroso, vão se desdobrando `´a medida que o olhar se acomoda ao céu, até penetrar novas fazendas celestes além, sempre além, no infinito latifúndio. Pois assim é Elomar Figueira de Melo: um príncipe da caatinga, que o mantém desidratado como um couro bem curtido, em seus 34 (hoje 41) anos de idade e muitos séculos de cultura musical, nisso que suas composições são uma sábia mistura de romanceiro medieval, tal como era praticado pelos reis-cavalheiros e menestréis errantes e que culminou na época de Elizabeth II, da Inglaterra, e do cancioneiro do Nordeste, com suas toadas em terças plangentes e suas canções de cordel, que trazem logo à mente os brancos e planos caminhos desolados do sertão, no fim extremo dos quais reponta, de repente, um cego cantador do sertão com os olhos comidos de glaucoma e guiado por um menino - anjo, a cantar façanhas de antigos cangaceiros ou "causos" escabrosos de paixões espirituais sob o assassino do agreste. Elomar nasceu em Vitória da Conquista, cidade que também deu vez a Glauber Rocha e Zu Campos, e depois de formar-se em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia, ocupa atualmente (N.C.: o texto d Vinícius é de abril/73) o cargo de diretor de Urbanismo de sua cidade. Mas do que gosta realmente é de sua caatingueira, uma das mais ásperas do sertão brasileiro, onde cria bodes e carneiros. Já me foi contado que um de seus reprodutores, o famoso bode "Francisco Orellana", quando a [umidade] do ar apresenta seus índices mais baixos que usualmente é de 10 graus - sente-se em posição estratégicas sobre as patas traseiras e não se peja de urinar na própria boca, de modo a aproveitar, num instintivo e engenhoso recurso ecológico, a própria água do corpo para dessedentar-se. E tem a onça. Vez por outra, a madrugada restitui a carcaça sangrenta de um bode ou carneiro, e todas as preocupações cessam, a não ser chumbar a bicha. E a conversa entre os fazendeiros fica sendo apenas essa: onça, suas manias, suas manhas, seus pontos fracos. Todo mundo se oncifica. Elomar sai à noite para tocaiá-la; e quando a avista só atira nela de frente: _ "um bicho que vem de tão longe para matar meus bodes; esse eu respeito!" diz ele em sotaque matuto (apesar da boa cultura geral que tem) e que faz questão de perder por nada; enojado que esta de nossa suposta civilização: Quando lhe manifestei desejo de passar uns dias em sua companhia e de sua família (Elomar é casado e tem um par de filhos, sendo que a menina tem o lindo nome de Rosa Duprado) para descobrir, em sua companhia e ao som do excelente violão que toca, essas estrelas recondidatas que já não se consegue mais ver nos nossos céus poluídos, Elomar me disse: - Pode vir quando quiser. Deixe só eu ajeitar a casa, que não está boa, e afastar um pouco dali minhas cascavéis e minhas tarântulas... É... Quem sabe não vai ser lá, no barato das galáxias e da música de Elomar, que eu vou acabar amarrando um bode definitivo e ficar curtindo uma de pastor de estrelas..." LEGENDA FOTO : Elomar no Paiol
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
8
27/04/1980

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