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Aramis

Em "Retratos da Vida" o virtuosismo de Lelouch

A reprise mais aguardada dos últimos tempos: "Retratos da Vida", desde quinta-feira, em 3 sessões no Cinema I (14, 17h15min 20h30min). Exibido apenas uma semana no Cine Itália, em princípios do ano passado. "Les Uns Et Les Autres" reunia condições de permanecer semanas em cartaz, mas, inesperadamente, a cópia foi devolvida ao Rio. Só agora, a Columbia Pictures o relança, espera-se para uma programação mais extensa. xxx "Retratos da Vida" é o exemplo perfeito do filme que reúne todos os elementos para agradar ao público mediamente informado e, ao mesmo tempo, traz elementos artísticos inegáveis. O sucesso que o ex-fotógrafo Claude Lelouch vem colecionando desde sua estréia no longa-metragem, a partir de "Um Homem, Uma Mulher" (1966), fez sempre que uma parcela mau-humorada da crítica internacional insistisse em torcer o nariz para suas fitas. Quando "Un Homme, Une Femme" foi exibido no festival de Cannes, obtendo a Palma de Ouro (e depois o Oscar de melhor filme estrangeiro), foi acusado de ser "um jingle de longa-metragem". Sua técnica de improvisação, seu estilo de fotografia com câmara na mão (geralmente é ele próprio o operador da câmara) se repetiram em outros filmes. Cineasta hábil, sensível a estórias que envolvem sentimentos, Lelouch teve um excelente aprendizado nos curta-metragens, pois começou fazendo filmes movimentados como um documentário sobre as 24 horas em Le Mans, há 20 anos passados. Em "Retratos da Vida", Lelouch retoma, de certa forma, a idéia - base de outro de seus melhores filmes - "Toda uma Vida"(1974): uma história que passa por várias gerações e que tem alguns personagens-base. Em "Toute Une Vie" era a personagem interpretada pela norte-americana Marthe Keller que conduzia os fatos. Aqui, é a sensibilidade artística de quatro famílias de Moscou, Paris, Berlim e Nova Iorque. Elas são unidas por uma linguagem comum - a música. Enfrentam as tragédias da II Guerra Mundial e do após-guerra. E se reúnem, num final apoteótico, em Paris, num concerto de gala aos pés da Torre Eifel, em benefício da Unicef e da Cruz Vermelha. Quando o coreógrafo Maurício Bejart coloca em cena todo seu imenso talento, para uma longa seqüência de verdadeiro delírio visual. xxx Filmes como "Toda Uma Vida" e este "Retratos da Vida" - que nos Estados Unidos foi lançado com o nome de "Bolero", justamente por ter a mais famosa peça de Ravel como o tema musical central - correm, facilmente, o risco de se tornarem enfadonhos. Mas quando há um diretor seguro, que sabe medir a ação, e, especialmente, na sala de montagem (com assistência de Hughes Darmois/ Shopie Bhaud) dar o ritmo preciso, o resultado é esplêndido. As estórias das famílias russa, francesa, alemã e americana se entrelaçam, se aproximam, emocionam e entusiasmam o público. Passando-se ao longo de quatro décadas, os personagens envelhecem, têm filhos - e, num inteligente aproveitamento do expressivo elenco, os principais intérpretes dobram seus papéis. Assim James Caan e Geraldine Chalin, intérpretes do casal americano - um líder de big-band e sua mulher vivem também os filhos do casal: uma moça, cantora famosa e o rapaz, seu empresário, Robert Hossein interpreta um pianista do Follies - Bergére e seu filho, um advogado que é pai de um brilhante cantor, Jorge Donn e Rita Poelvoorde interpretam um casal russo. Depois da guerra, ela se torna diretora da Academia Bolshoi e seu filho, também vivido, por Donn, é seu aluno mais elogiado até que escolhe a liberdade. Evelyne (Bouix) interpreta uma cantora parisiense, apaixonada por um músico alemão. Sua Filha, Edith (também interpretada por Bouix) se torna uma celebridade. Assim, a interligação familiar do roteiro e as duplas interpretações do elenco fazem com que "Retratos da Vida" seja, necessariamente, um filme de linguagem ágil. Para isto conta a experiência de Lelouch, que embora tendo um diretor de fotografia (Jean Boffety) interferiu pessoalmente nesta área que tão bem conhece. Superprodução, rodada em vários locais, Tailândia, Paris, Nova Iorque - "Retratos da Vida" demorou 13 anos para ficar concluído. Sua trilha sonora era um dos pontos mais importantes: afinal, o fio condutor das 4 histórias é a música. Por isto, Lelouch que há 18 anos desenvolve um trabalho primoroso em parceria com Francis Lai, reforçou a sound track com a participação do outro notável compositor e maestro francês: Michel Legrand. Utilizando clássicos conhecidos, jazz e, naturalmente, temas incidentais, a trilha sonora de "Les Uns Et Les Autres", na França foi editada em álbum duplo, reduzida para um único elepê no lançamento do filme nos Estados Unidos (onde se chamou "Bolero"), o mesmo acontecendo no Brasil - com a RCA tendo colocado nas lojas ainda em 1982, a sua trilha sonora - disco que consideramos como um dos 10 melhores lançamentos internacionais daquele ano. xxx Lelouch tem alternado vários gêneros - desde melodramas como "Viver por Viver" (1967) a documentários sobre o Vietnã ("Visions of Eight", e "Loin du Vietnã"), passando por sátiras políticas de primeira (como "A Aventura é uma Aventura", 72) e policiais brilhantes ("Um Homem Como Poucos", 70), além de também mergulhar em dramas intimistas, como "A Vida, O Amor e a Morte" e "O Homem que eu Amo" (ambos 1969). Se o bom gosto visual, estória ternas e humanas, requinte no acabamento dos filmes são pecados evidentemente que Lelouch pode ser visto com restrições. Mas para quem tem suficiente clareza para entender que um filme de agrado do público não significa, necessariamente, mediocridade, reconhecerá neste "Retratos da Vida" um dos melhores programas cinematográficos dos últimos anos. Um filme que pode ser apontado, num auge de má vontade, com a frase: - Seu defeito é ... é... é... que é bonito demais!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
29/01/1984

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