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Aramis

A emoção de uma noite de jazz com "Mr. President"

São Paulo Em sua carregada agenda, terça-feira, 9, há um compromisso muito especial: uma apresentação na Casa Branca, a convite pessoal do presidente Ronald Reagan, seu amigo e admirador. Só mesmo o agravamento da crise do Irãgate pode cancelar esta recepção no qual ele será, por certo, a grande atração musical. Esta é a explicação porque Lionel Hampton, 73 anos, vibrafonista, baterista, pianista, cantor, compositor e, sobretudo, o último dos grandes band-leaders do jazz, encerra amanhã, sua temporada no 150 Night Club, em São Paulo. Terça-feira, 2, após a estréia de Lionel e sua banda - mais de 200 pessoas no "150", aplaudindo tanto que estendeu a três numerosos extras, prolongando por 140 minutos o seu espetáculo, Roberto Maksoud, diretor-geral do Maksoud Plaza, exclamava, eufórico: - "É o melhor espetáculo já apresentado em São Paulo." Zuza Homem de Mello, 52 anos, organizador de 5 festivais de jazz no Brasil, recém-chegado da Europa - onde assistiu inúmeros concertos, concordava, acrescentando: - É o último grande momento de uma big band. Isto é para guardar na memória. Armando Aflalo, produtor de programas de jazz na Rádio Eldorado, critico dos mais respeitados, assessor musical do 150 Night Club, acrescentava: - "É uma oportunidade única de se ouvir um músico lendário. E confirmar positivamente tudo que se esperava dele". Americano de Lousville, Kentucky, tendo crescido em Chicago e transformando-se no maior vibrafonista dos Estados Unidos - aos 16 anos já trabalhava com Louis Armstrong e, aos 23, era convidado para integrar o conjunto de Benny Goodman ("Ele é simplesmente fenomenal", diria o clarinetista). Lionel, depois de 57 anos de carreira, pela primeira vez veio ao Brasil mostrar a sua música (há 6 anos, em férias, passou pelo Rio de Janeiro). Consagrado como o mais sofisticado (e exclusivo) espaço para shows de primeiro nível, o "150" havia apresentado, na semana passada, outro lendário nome do jazz - o pianista George Shearing, 66 anos. Nesta semana - para apenas cinco concertos - Lionel Hampton e sua banda. Encerrando o ano, temporada da cantora Alcione - dentro de um calendário que teve, em 1986, grande espaço para músicos e cantores brasileiros - desde sambista ao estilo Roberto Ribeiro até o incrível João Bosco. xxx Lionel Hampton é uma legenda dentro do jazz. E, durante duas horas e vinte minutos, em sua estréia - que tivemos a felicidade de assistir - ele mostrou toda sua categoria, talento e inventividade. Nenhuma ruga, jovialidade e alegria espontâneas - como Louis Armstrong (de quem se declara, sempre, o maior admirador) e Dizzy Gillespie (que o público curitibano pôde aplaudir, no Guaíra, há alguns meses), Lionel é aquele músico-magia, que merece a expressão "endemoniado" no seu sentido mais carinhoso. Trazendo nove excelentes instrumentistas, liderados pelo sax-tenor Doug Miller, em apenas dois ensaios integrou mais dez músicos da "150 Big Band" - hoje a melhor do País - formando uma orquestra de jazz como nos tempos de ouro: cinco saxofones, quatro trombones, quatro pistons - metais em brasa, de intensa voltagem criativa, ao piano, um extraordinário e harmonioso mestre, que há muito o acompanha - Laurence Hann. Lionel, elegantemente vestido com um paletó listrado, sorriso permanente, debulha, inicialmente, o seu instrumento básico - o vibrafone - com sua personalíssima versão de "Night Special", um dos clássicos de seu repertório. Ao vibrafone, instrumento do qual praticamente foi o revelador na história do jazz, Lionel desenvolve versões incríveis de "Home Hamp's Boogie", "Beulah's Boogie", "Hey Ba-bare-bob" e "Midnight Sun". Numa homenagem ao seu amigo Benny Goodman (falecido no último dia 13 de junho, aos 76 anos), Lionel anuncia "Avalom", um clássico do rei do swig, solado no clarinete por um de seus músicos. Lionel não fica apenas no vibrafone. Assume a bateria com caixas de acrílico e dá um verdadeiro espetáculo de malabarismo e sincronia, usando simultaneamente três a quatro baquetas - intercalando sempre os insights de seus músicos, convocando-os para solos - e dando inclusive oportunidade a um jovem saxofonista brasileiro, da orquestra do "150" também mostrar seu talento. A música de Lionel Hampton faz viajar. Há mais de 30 anos, sua banda viaja pelo mundo - tournés pela Europa, Israel, Japão, mas até hoje nunca havia aportado no Brasil. E a viagem não é apenas da orquestra - mas de seu som. O espetáculo de estar, a dois ou cinco metros de um dos maiores músicos do mundo, é emocionante - e nos faz recordar suas históricas gravações. Por exemplo, como baterista da orquestra de Les Hite, que acompanhava Louis Armstrong, ele fez suas primeiras gravações. Numa delas, Hampton trocou a bateria pelo vibrafone. Numa entrevista, recordou: - "Entrei no estúdio e vi um vibrafone abandonado. Comecei a brincar com ele, tirei uma música e o pessoal ficou surpreso. Louis ouviu, gostou e pediu que tocasse no disco". Era a primeira aparição do vibrafone no jazz - que, quase barroca, por outro notável instrumentista - Milt Jackson, no especialíssimo Modern Jazz Quartet. Mas ao contrário de cool e cerebral Jackson, o vibrafone de Lionel é hot, vibrante - na linha de Louis Armstrong com quem se identificou tanto, antes de trabalhar com Goodman - formando depois, há 40 anos, sua própria orquestra. Embora genial como baterista e afinado como cantor, além de pianista com uma técnica especial - de tocar com apenas dois dedos (em sua estréia, em São Paulo, não mostrou esta habilidade) é no vibrafone que Hampton passa a maior emoção. Como, quando por exemplo, já no final do espetáculo - e atendendo delirantes pedidos do público - mostra aquele que foi o seu grande momento da história do jazz: "Stardust", o clássico de Hoagy (Noagland Howard) Carmichael (22/11/1899-27/12/1981), do qual fez um extraordinário solo no festival de Passadena, em 1947 - dando um tratamento até hoje insuperável a esta música reconhecida como um dos 10 mais belos (e conhecidos) temas americanos. Bastaria seu repertório de standards para imortalizar o momento - mas ele não fica apenas nos êxitos do passado. Apresentando uma bela cantora, a morena Clare Bathe, retira-se do refletor principal e deixa que ela mostra sua voz forte em dois temas, um dos quais uma música de Lionel Ritchie. Pode fugir um pouco ao clima de jazz, mas mostrando, também a visão de marketing que Hampton tem para chegar a um público mais jovem. Embora, na noite de estréia, no "150 Night Club", os presentes quisessem apenas a sua música instrumental - como a versão marcante de "Sing, Sing, Sing", que era a chamada música de efeito para Gene Krupa (1909-1973) mostrar sua genialidade na bateria. Entre temas próprios, (e manos conhecidos) a standards facilmente assimiláveis - como "Speak Low", quase ao final, Lionel Hampton transmite uma aura de magia e envolvimento, fazendo com que se sinta toda a extensão de uma escola musical que, pouco a pouco, desgraçadamente, vai desaparecendo. Assim como Edward Kennedy Ellington (1899-1974) foi o "Duke" da história do jazz e William Bassie (1904-1984) será sempre lembrado como "Count", Lionel Hampton é o "Mr. President" na nobre aristocracia do jazz. Realmente, a vibração, o astral, a qualidade de sua música é algo divino. Ele mesmo, disse há alguns anos - falando de suas apresentações: - "Quando estou num palco sinto uma experiência emocional que me transporta a uma viagem distante e maravilhosa". E esta sensação é transmitida ao vê-lo ao vivo - ou, mesmo num tape sobre suas apresentações em Disneyworld, que um apaixonado por jazz, o bom amigo Paulo Seara, de Cascavel, nos havia mostrado há alguns meses. Como disse o trombonista Charlie Shavers: - "Lionel se transforma no palco, começa a tocar diabolicamente, cada vez está mais animado e inflamado, contagiando a todos. Ele tem o jazz nas veias". xxx Em seus 5 anos de existência, o 150 Night Club trouxe ao Brasil figuras marcantes do jazz - inclusive a grande cantora Albert Hunter (1897-1984), em duas ocasiões. Entretanto, esta temporada de Lionel Hampton tem um significado especial, dando a dimensão de um músico extraordinário e único em sua forma de transmitir em sons toda a riqueza melódica do jazz - com imagens e cores que só pessoas iluminadas conseguem. Para 1987, Roberto Maksoud, que acima de ser o executivo (e herdeiro) do maior e melhor hotel da América do Sul, é um apaixonado pelo que de melhor há no jazz, já tem planejado outras grandes temporadas musicais - desde uma nova e brilhante pianista novaiorquina, Dorothy Donegan (ainda pouquíssima conhecida no Brasil) até a presença de outro remanescente da época de ouro das big-bands, Woody Hermann (Woodrow Charles Hermann) 73 anos - e que apesar de seus 67 anos de vida artística (aos 6 anos, já cantava e dançava nos palcos), terá que mostrar muita vitalidade e entusiasmo para superar a imagem e a emoção que Lionel Hampton, este jovem setentão deixa agora, nesta sua rápida passagem por São Paulo. Uma temporada rápida, porque "Mr. President" tem o compromisso de tocar para o "Sr. Presidente" Ronald Reagan, terça-feira, em Washington.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
05/12/1986

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