Login do usuário

Aramis

A eterna Clarice

Aos 52 anos de idade, de câncer, morreu uma escritora isolada em nossa literatura; uma pessoa isolada do mundo. Esta solidão sempre foi uma constante na obra e na vida de Clarice Lispector, que nunca se envolveu com qualquer grupo literário ou mesmo com um circulo maior que o formado por seus grandes amigos. A escritora da angústia, da solidão, do absurdo, do mágico de "A Maça no Escuro". Quando lhe perguntavam porque escrevia, sentia-se insultada e dizia sempre "por que você bebe água"? Clarice revelada que, constantemente, para lhe agradar, diziam que ela não precisava mais escrever pois já pertencia a literatura brasileira. "Mas que inferno, eu lá desejei entrar em alguma literatura"? Mesmo sem desejar, Clarice entrou não apenas na nossa, mas também na literatura latino-americana, como uma renovadora da construção do conto, da temática e da linguagem. No momento em que diversos países da America-latina apresentavam representantes como Augusto Roa Bastos, Mário Onetti, Garcia Marques, Borges, Cortázar, Juan Rulfo, e tantos outros, Lispector punha-se ao lado destes, como também uma grande renovadora da literatura latino-americana, traduzida para a maioria dos países. Tristão de Athayde, certa vez, referindo-se a ela, disse que "ninguém escreve como Clarice e Clarice não escreve como ninguém". Esta é sem dúvida uma boa definição para quem desenvolveu magistralmente uma atividade com base apenas na inspiração, sem se preocupar em formar uma obra, ou criar uma escola literária. Toda sua obra é, confessadamente, inconsciente. Quando publicou seu conto "O Ovo e a Galinha", muitas foram as perguntas que lhe fizeram sobre seu significado, principalmente depois que ele passou a ser adotado como prova de interpretação para muitos vestibulares. Certas ocasião, quando lhe perguntaram o que o conto significava, simplesmente disse: "Eu só posso dizer que o ovo é branco e vem da galinha. Agora, o que o conto significa, isso não tenho a menor idéia". As diversas interpretações dadas à sua obra, ultimamente sob o prisma do estruturalismo, sempre a divertiram, pois confessava não saber o significado do "signo", "sintagma", e "paradigma". Clarice comparecia a vários seminários dedicados exclusivamente a ela, mas negava-se a discutir como uma especialista. "Eu não entendo nada do que eles falam. Mas deploro o falso vanguardismo cheio de modismo, frio e calculista, pouco humano. A melhor crítica é aquela que entra em contato com a obra do autor quase que telepaticamente. É que não sei responder a maioria das perguntas que me fazem. Me perguntam coisas sobre a vida, a morte, a existência, e eu nem sei quais são meus direitos. Ninguém sabe"! E é justamente este descompromisso com correntes renovadoras e sinceridade em harmonizar sua vida e obra, que a tornam uma das grandes conquistas de nossa literatura. De uns tempos para cá, Clarice passou a pintar com bastante freqüência, e em alguns momentos dizia que não iria mais escrever. "Às vezes me dá um medo danado de morrer. Sei lá. Não consigo pensar em deixar de existir. Tenho medo também de perder a inspiração de repente". FOTO LEGENDA- Clarice, isolada de tudo e todos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
11/12/1977

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br