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Aramis

Festivais mostram cinema que se aprende na escola

Os festivais de cinema estão abrindo-se para uma vitrine dos filmes realizados por uma novíssima geração, saída dos (poucos) cursos existentes no Brasil. Este ano, a maior revelação foi da dupla Paulo Halm e Luiz Campos, da Universidade Federal Fluminense, que com o contundente "PSW - Uma Crônica Subversiva", média metragem de 50 minutos, denunciando o desaparecimento do deputado catarinense Paulo Stuart Wright, em setembro de 1973, nos cárceres do DOI-COI, São Paulo, praticamente revelaram mais um fato trágico dos anos de ditadura e que permanecia esquecido da história oficial. Premiado no XVI Festival de Gramado e também na XVII Jornada de Cinema da Bahia, "PSW - Uma Crônica Subversiva" - que permanece inédito em Curitiba, embora residam em Almirante Tamandaré os dois filhos do deputado Wright - voltou a emocionar ao ser exibido durante o XXI Festival do Cinema Brasileiro de Brasília. Ali, o júri de 16mm, concedeu um prêmio especial a Antonio Fagundes, intérprete do deputado Wright - num elenco em que também estão Maria Padilha, Renato Borghi e Antonio Abujamra. Muito dos méritos de "PSW" deve-se a José Joffly, filho, professor de cinema na Universidade Fluminense e que foi o produtor executivo deste média-metragem. A competência de Joffly filho é tamanha, que em apenas duas semanas num curso prático de cinema promovido na Cinemateca Guido Viaro, entre maio/junho deste ano, formou uma equipe tão entusiasmada que, em seu primeiro trabalho, o curta "Tangência", 6 minutos, mostrou méritos suficientes para ser aceito na parte competitiva dos filmes em 16mm em Brasília. Com elenco e realizadores totalmente inexperientes - num trabalho de equipe, mas que teve em Marco Aurélio Penha o seu coordenador mais esforçado (merecendo, assim, assinar ao filme), "Tangência" (exibido domingo, 6, na Cinemateca Guido Viaro) é uma prova de que o entusiasmo jovem também pode se refletir em imagens criativas. Mesmo sem qualquer premiação, só o fato de ter sido levado ao Festival de Brasília foi significativo. O único prêmio que "O Mundo Perdido de Kozak", do catarina-curitibano Fernando Severo não obteve na categoria de curta, 16mm, foi o de trilha sonora. Este foi para Leão Leibovich, por "Colorbar", curta de estréia de Marcelo Mendes, 22 anos, estudante de cinema na Universidade Federal Fluminense e programador do Cine-Clube Estação Botafogo, no Rio de Janeiro. Com um bom roteiro desenvolvido em colaboração com David Mendes e Oswaldo Lopes Jr., Marcelo construiu um filme curioso, sobre um casal em crise: o marido (Eduardo Birman) desempregado, passa os dias em casa, vendo televisão. A mulher (Cristina Treiger), secretária executiva, trabalha fora e mantem a casa. No vazio de sua vida, o homem se embriaga e passa o tempo num bar. Naturalmente, termina a tragédia. Três filmes trouxeram trabalhos de recém-formados alunos do curso de cinema da Escola de Comunicação e Arte da Universidade Federal Fluminense. "A Ponte", de Marcos Escobar, inspirado livremente num episódio da vida do saxofonista Sonny Rollins (quando ele pirou e passou a viver debaixo da ponte de Brooklin, período que resultaria num álbum clássico, "The Bridge", recentemente reeditado pela BMG/Barclay), já havia sido levado a Gramado e Salvador. Uma fotografia cuidadosa e sua trilha sonora de Tuca Camargo, além de um elenco em que estão Cacá Amaral (como o solitário músico) e Vivien Buckup (filha do casal John Herbet/Eva Vilma) tornam interessante este filme de 20 minutos. A montadora de "A Ponte", Cecília Saint-Pierre, gaúcha radicada em São Paulo, também formada pela ECA, é a diretora de "Gardenia Azul" - levado em setembro na jornada de Cinema da Bahia - e que concorreu novamente em Brasília. Inspirado livremente em "Fausto", construiu um média de 24 minutos sobre a busca do sucesso por parte de um músico. Embora com um roteiro confuso - o que torna difícil a comunicação do filme (que toma como tema-referência "Blue Gardênia", criação de Nat King Cole) o filme de Cecília é outro exemplo do trabalho resultante do curso de cinema paulista. Walkiria Ribeiro, 27 anos, alta, palidez cadavérica, formada pelo ECA, é apaixonada por filmes de terror e escolheu para filme de graduação uma revisão do mito do vampirismo: "Amor e Morte", 12 minutos, é frágil em sua estrutura - pretendendo homenagear "Nosferatu" de F. W. Murneau (1922), no duelismo "de duas questões que sempre preocuparam o homem: o amor e a morte", como explica sua realizadora, tímida e nervosa - mas feliz por ter chegado a Brasília num festival competitivo. Assim como Sérgio Bianchi - melhor diretor do Festival de Brasília com "Romance" (dividindo o prêmio com o gaúcho Werner Shulmann por "O Mentiroso" buscou inspiração em contos de Julio Cortazar para seus dois primeiros curtas, quando ainda estudava cinema na ECA ("No Ônibus" e "A Primeira Besta"), também Ricardo Carnelossi, formado pelo curso de cinema da USP, recorreu, livremente, a um conto do uruguaio Julio Cortazar (1914-1984) para o seu média "Manuscrito Achado Num Bolso", com um personagem enigmático (todos os dias, desce ao metrô para estabelecer um jogo com as mulheres pelas quais se interessa). Trabalhos experimentais, desenvolvidos como provas de fim de curso, os filmes dos jovens realizadores formados em cinema não têm pretensões de chegar a circuitos comerciais, inclusive pela metragem ultrapassar os 15 minutos exigidos pelo Concine - para os produtos capazes de cumprir a lei do curta. Valem, entretanto, como primeiros exemplos de uma novíssima geração que poderá surgir no cinema brasileiro nos anos 90. LEGENDA FOTO - Cena de "Colorbar", curta de Marcelo Mendes, que recebeu o prêmio de melhor trilha sonora do Festival de Cinema de Brasília.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
09/11/1988

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