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Aramis

Festival Villa-Lobos continua (chegará ao cinema em 1988)

O centenário de Villa-Lobos foi no ano passado mas as comemorações prosseguem. Tanto é que se não houver novos imprevistos, ainda em março, o cineasta Zelito Vianna inicia as filmagens de "Villa, Coração do Brasil", superprodução de US$ 3 milhões, com a participação da Erato, gravadora francesa e cujo projeto se iniciou há mais de três anos. Pelo menos dois novos livros sobre Villa-Lobos chegaram ao público - o ensaio de Maria Célia Machado (Livraria Francisco Alves/Editora UFRJ, 200 páginas, Cz$ 400,00), a biografia do crítico Luiz Paulo Horta e mais "Villa do Crepúsculo à Alvorada" de Piedade Cavalcanti (Editora Tempo Brasileiro, 151 páginas, Cz$ 420,00), sem contar centenas de ensaios e análises jornalísticos, divulgados nestes últimos meses. Mais importante, entretanto, foi o revival das gravações da obra de Villa-Lobos, que teve também trabalhos paralelos inéditos. Por exemplo, a propósito dos 100 anos do nascimento de Heitor Villa-Lobos (Rio de Janeiro, 5/3/1887-17/1/1969), os pesquisadores Jairo Severino e Suetonio Valença conseguiram desencavar um sonho de quatro décadas de todos que amam a música brasileira: editar as histórias gravações em 78 rpm, produzidas pelo maestro Leopoldo Sotokoviski, em 1941, quando Villa-Lobos levou a bordo do navio "Uruguay", na praça Mauá, Rio, um grupo de compositores e intérpretes dos morros cariocas - Cartola, Zé da Zilda, Carlos Cachaça, além de Pixinguinha, Donga e outros, num projeto financiado pelo Departamento de Estado na "Política da Nova Vizinhança". "Brazilian Native Music", em dois álbuns de 78 rpm, saiu nos EUA pela CBS mas nunca chegou ao Brasil. Finalmente, em novembro do ano passado, com recursos do Pró-Memória e edição através do Museu Villa-Lobos, dirigido por este fabuloso violonista e animador cultural Turibio Santos, saiu o aguardado elepê - para nós, o mais importante evento fonográfico do ano que passou. Afinal, mesmo não sendo composição do grande Villa, foi um projeto em que ele esteve diretamente envolvido. A grande programação Paralelamente a centenas de concertos, conferências e publicações em torno dos 100 anos de Villa - inclusive efígie da (já desvalorizada) nota de 500 cruzados - muitos talentos musicais se voltaram a sua obra, tão necessária de ser regravada e mais conhecida. O pianista Miguel Proença, gaúcho de carreira internacional, ex-diretor da Sala Cecília Meireles e atual secretário da Cultura da cidade do Rio de Janeiro, sempre voltado a fazer gravações de compositores importantes, conseguiu ter um de seus discos feito em 1987 - com obras de Villa-Lobos, editado pela 3M, nova etiqueta que vem surpreendendo pela competência de seus lançamentos na área erudita nacional. Num álbum de ótima qualidade, Proença interpreta "Expressões Seresteiras", "Alma Brasileira", "Poema Singelo", "Lenda do Caboclo", os dois movimentos de "Homenagem à Chopin" e o interessantíssimo "Guia Prático para piano nº1" com os temas "Acordei de Madrugada", "A Maré Encheu", "A Roseira", "Manguinha", "Na Corda da Viola" e "Valsa do Amor". Com seu estilo personalíssimo, sem florear demais as peças, Proença oferece neste álbum uma das melhores contribuições e discografias de Villa. Aliás, o mesmo Proença também fez duas outras esplêndidas gravações; "Brasiliana" (Scotch/3M), com a "Grande Fantasia Triunfal" que L. M. Gottschalk (1828-1869) criou sobre "Hino Nacional Brasileiro" e a "A Brasiliana nº4" de Radamés Gnatalli (1906-1988) - com os temas "Prenda Minha", "Samba-Canção" (Rio de Janeiro), "Desafio", "Marcha de Rancho" e "Valsas". No disco, também quatro temas de Ernesto Nazareth (1863-1934) - "Confidências", "Gaúcho", "Elegantíssima" e "Fon-Fon", autor de quem, encontrando partituras inéditas, dedicou um terceiro álbum - esta uma produção independente, difícil de ser encontrada nas lojas. Villa Orquestrado Pelo menos três projetos da obra de Villa em gravações orquestradas se destacaram. Norton Morozowicz, 39 anos, ex-primeiro flautista da Sinfônica Brasileira, fundador e titular da orquestra de Câmara de Blumenau [...] que o considerou a melhor gravação do ano passado. Inteligentemente, Norton a frente da orquestra de Câmara de Blumenau não se restringiu apenas a gravar peças de Villa-Lobos - o prelúdio das Bachianas, nº4, a ciranda das Sete notas para fagote e cordas - mas, completou com compositores contemporâneos que tiveram ligação com Villa - ou foram seus discípulos. Assim de Edino Krieger, 60 anos (a serem completados no próximo dia 17 de março), catarinense de Brusque, atual diretor do Instituto de Música da Funarte, foi gravada sua suíte para cordas, em quatro movimentos. Do grande Camargo Guarnieri (Tietê, SP, 1/11/1907) - convidado, aliás, nos concertos que a BASF promoveu no ano passado, quando do lançamento do álbum - Norton gravou "Improvisação" para flauta e cordas, a ele dedicado como solista. De Cláudio Santoro (Manaus, 23/11/1919) um de seus Ponteiros e, finalmente, de Francisco Mignore, (1897-1986) duas de suas "Valsas de Esquina", as inéditas em disco "Dança do Camponês", "Miudinho" e "Festa na Bahia", composição de 1956, para um filme de longa-metragem. As Bachianas Brasileiras, que integralmente só existiam numa edição de luxo, da orquestra da Radiodifusão Francesa (lançada no Brasil pela Odeon, há mais de 15 anos) ganharam agora um novo e audacioso registro: em caro projeto da 3M/Scotch, Isaac Karabtchevesky, a frente da Sinfônica Brasileira, registrou em três álbuns a integral das nove "Bachianas Brasileiras". Uma gravação com a participação do pianista Nelson Freire, do fagotista Noel Devos e da cantora Leila Guimarães, com produção executiva de Guto Graça Mello - resultando em quatro discos num álbum - caixa de ótima apresentação. A direção técnica foi de Otto Dreschler. Como acentuou o jornalista Antônio Gonçalves Filho, o aspecto monumental do projeto já aparece na primeira peça da série (de 1930), dedicada a Pablo Casals. A segunda Bachiana tem o brasileiríssimo título de "O Canto da Nossa Terra" e a terceira, composta em 1938 e apresentada pela primeira vez em 1974, com regência de Villa, em Nova Iorque, teve a intenção original de homenagear o compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750). Existem inúmeros registros das "Bachianas", isoladamente, mas na íntegra faltava um trabalho desta envergadura. Inclusive Norton Morozowicz, como flautista, participou deste registro, merecendo elogios especialmente pela sua participação em ("A Floresta Amazônica"). Antônio Gonçalves Filho, escreveu ("Folha de São Paulo", 13/1/88): "Norton Morozowicz (flauta) e Noel Devos (fagote) fazem da gravação desta peça um parâmetro para futuras investidas em estúdios, principalmente por causa da ária da abertura". No Exterior, também aconteceram várias gravações da obra de Villa-Lobos. Uma pequena etiqueta, a Imagem, reeditou em 1987 a gravação feita já há anos pela Sinfônica de Londres, regida por Sir Eugene Goossens, com a "Bachiana nº2" - que é também conhecida como "Trenzinho do Caipira" - tema que, em 1976, ganhou uma letra e arranjo especial de Edu Lobo. A gravação da Imagem (que é complementada no lado B, com peças de Alberto Ginastera (1916-1986), um dos maiores compositores eruditos argentinos) está também entre os melhores lançamentos com peças de Villa. Violão & Piano - a obra de Villa-Lobos se presta especialmente para violão - instrumento que tocava e ao qual dedicou centenas de peças (algumas delas, inclusive, em homenagem ao lançamento da caixa de 4 elepês com a integral das Bachianas, a mesma 3M editou o excelente elepê do violonista Marcelo Kayath (Belém, 15/1/1964), interpretando seis estudos para violão e mais a mazurka, o "Chora Violão" e uma "Valsa-Choro", de Villa. Complementando o disco, quatro peças magníficas de Garoto (Aníbal Augusto Sarinha, 1915-1955). Aluno de Léo Soares, Jodacil e Turíbio Santos, Marcelo Kayath conquistou, em 1980, o Prêmio André Segóvia, no 2º concurso Internacional Villa-Lobos, realizado no Rio de Janeiro. Kayath era o mais jovem dos concorrentes mas entusiasmou ao júri e, especialmente, a Turíbio Santos, o virtuose do violão que mais tem gravado e divulgado a obra do autor das "Bachianas" em todo mundo - especialmente a série de discos feitas na Erato (França), das quais, infelizmente, apenas um volume aqui foi editado, há dez anos, pela RCA. Marcelo chegou a ser aluno de Andres Segovia (1894-1987) e foi por ele indicado para fazer o encerramento do Festival Segóvia, em Los Angeles. Em 1984, obteve o primeiro prêmio nos dois maiores concursos de violão do mundo - o Concours Internacional de Guitar de Paris, promoção da Rádio France, em sua 26ª edição e o Toronto International Guitar Competition, em sua 4ª edição. A partir de então, Marcelo vem fazendo dezenas de concertos em vários países, gravando programas na ORTF (França), BRT (Bélgica), BBC (Inglaterra), RTP (Portugal) e RTE (Espanha). Na Inglaterra já fez três elepês e só agora, praticamente quatro anos após seu desabrochar internacional, Marcelo Kayath tem um disco editado no Brasil. Mas valeu a espera! Como disse o crítico "Le Monde", ele possui "uma técnica de firmeza impressionante e uma sonoridade rica e aveludada servindo de suporte a uma intuição aguda do mister musical". Também produções independentes registram a obra de Villa-Lobos. A etiqueta Com Anima, numa gravação feita com a competência técnica de Otto Dreschter, registrou o pianista Cláudio Richerme, paulista de São João da Boa Vista, interpretando a Bachiana nº 4 e "As Cirandas" de Villa - complementando o disco com "La Valse", de Maurice Ravel. Como Marcelo Kayath, Cláudio Richerme teve que buscar no Exterior a consagração para só agora ter o justo reconhecimento no Brasil. Há 10 anos (março de 1978), ele fazia um concerto no Carnegie Hall, em Nova Iorque, obtendo entusiásticos elogios. Vencedor de vários concursos de piano, dividindo sua carreira entre o Brasil e os Estados Unidos, anteriormente já havia gravado um elepê, também no selo "Com Anima", com obras de Villa e Gottschalk. Atualmente, Cláudio é professor do Instituto de Artes do Planalto na universidade Estadual Paulista. LEGENDA FOTO 1 - Miguel Proença: dupla homenagem a Villa. LEGENDA FOTO 2 - Marcelo Kayath, 24 anos, um novo virtuose internacional do violão.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
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19/03/1988

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