Login do usuário

Aramis

A ficção com a boa imagem

O projeto ainda está em sigilo - pois pode até nem dar certo. Um veterano jornalismo, com pendores literários e, hoje na tranqüilidade de uma semi-aposentadoria, está pensando em desenvolver uma novela com toques autobiográficos, tendo por título e tema central o tradicional Bar-Restaurante Palácio. Veterano dos tempos em que o restaurante da Rua Barão do Rio Branco, ainda funcionava no antigo endereço - um velho casarão demolido no início dos anos 60 para dar lugar ao Cine Vitória (que será, um dia, quem sabe, o Centro de Convenções), o jornalista-escritor (por enquanto exigindo anonimato) terá muito que contar sobre o Palácio, já que misturará personagens reais e ficção. Documentalmente, há 5 anos, o restaurante já mereceu um livro, feito por um de seus mais fiéis fregueses, Valério Hoerner Jr. ("O Folclórico Bar Palácio", edição do autor, 1984, 96 páginas) e que ainda está a venda no balcão do estabelecimento a um preço simbólico: Cz$ 5,00. xxx Restaurantes podem servir de ganchos para boas histórias de ficção - desde que haja talento do autor. Por exemplo, o carioca Victor Giudice, contista de méritos (seu "O Arquivo" foi publicado nos Estados Unidos, Argentina, Colômbia, México, Nicarágua, Alemanha, Portugal, Checoslováquia, Bulgária e Polônia, entre outros países), escolheu o centenário do restaurante Lamas, no Rio de Janeiro, para cenário do conto que dá título ao seu novo livro: "Salvador Janta no Lamas" (Editora José Olympio, 154 páginas). Hábil escritor - o que vem mostrando desde 1972, quando publicou seu primeiro livro de contos ("Necrológico"), e autor do romance "Bolero" (1985), uma alegoria cáustica e premonitória sobre a Nova República, Giudice mostra um estilo que vai do surrealismo fantástico - como na própria história do bancário Salvador, no conto-título - a uma linguagem cinematográfica, como "O Homem Geográfico", que, na correta observação de Carlos Alberto de Mattos, "poderia ser pré-roteiro de uma aventura pelo absurdo, destinada a entrar para uma possível antologia do corte cinematográfico. A escolha de Carlos Alberto de Mattos, ex-Isto É, hoje na equipe de críticos do "Jornal do Brasil", para escrever a orelha de seu livro, mostra a identificação de Giudice com o cinema - o que leva o seu apresentador a lembrar que ele tem "a magia de transformar palavras em imagens, imagens em vivências capazes de impressionar profundamente o leitor". Assim as 10 narrativas reunidas em "Salvador Janta no Lamas" possuem essa característica que distingue os escritores comprometidos com a contemporaneidade: as palavras não compõem um discurso rebuscado ou marginal em relação à realidade, mas são a expressão justa da vida e dos sonhos (nem sempre estanques) das personagens. Giudice veste o mundo com palavras sob medida. Assim seu refinado senso de observação do cotidiano manifesta-se em descrições apaixonantes, pontuadas por cintilações de ironia e clarões de emoção. Como todo bom filme, cada conto tem ritmo, pulsação e uma admirável noção de tempo dramático. Mattos, com precisão, sintetiza o valor deste escritor: "o texto de Victor Giudice não quer simplesmente remeter a objetos distantes, mas inscrevê-los, vivos, nos sentidos do leitor. As palavras aqui têm a generosidade e o desespero de se darem a ver, a sentir". LEGENDA FOTO - Victor Giudice: contos cinematográficos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
06/05/1989

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br