Login do usuário

Aramis

Florinda Bulcão, quem diria, virou mafiosa

A conhecida e talentosa atriz brasileira está interpretando, na Itália, "La Piovra" ("O Polvo"), telessérie ambientada nos intrincados e diabólicos bastidores da máfia peninsular. Foi o cinema italiano - "pátria artística" de Florinda - que lhe mudou o sobrenome: Bolkan em lugar de Bulcão. "Mas é assim mesmo - ela explica - eu sou duas Florindas numa única mulher". Roma - A máfia num filme de TV: é a nova realização de Florestano Vancini, diretor de muita sensibilidade e talento. Título original: "La Piovra" (O Polvo) - que quer indicar, no caso, um monstro fantástico a sugar a vitalidade dos seres. Enredo intrincadíssimo: um superpolicial, com inúmeros suspenses. Ambientações: entre a Sicília e Roma. "Mergulhando" nas conexões que ligam obscuramente a máfia insular e as ramificações de grande poder econômico e das amplas associações paralelas ao poder político: Isso é, os serviços secretos. Intérpretes principais de "La Piovra": Florinda Bulkan, nascida Bulcão e Michele Plácido. As duas "Florindas" "Agora já se acostumaram - conta Florinda - mas no começo foi difícil. Nenhum dos meus amigos brasileiros conseguia "engulir" o novo sobrenome que o cinema italiano me dera, por uma questão de prosódia. Bolkan em lugar de Bulcão. Nas reações - um tanto indignadas - havia até uma pitada de reinvindicação nacionalista. Enfim, isso tudo já pertence ao passado. Desde sempre, no entanto, existem, em mim, duas "Florindas". E - entre estas duas criaturas - um constante desafio. Uma adoraria ficar numa gostosa e relaxante "sombra-e-água-fresca", mas a outra reclama na hora. E com violência, as malas, rápido, e - mais rápido ainda trabalho e mais trabalho. Preguiçosa, a primeira, ambiciosíssima a segunda. Ser atriz, mas por quê? - Queixa-se "uma". E a "outra", no mesmo instante, quer set e - no set - quer vencer. Desaparecer (pensa uma) que bom. Sair do mapa sem deixar rastros, já pensaram? Maravilha. Mas a Florinda nº 2 (que acaba sempre predominando) pretende, exige ser lembrada e - para que isso aconteça - é capaz de deixar... pegadas de elefante. Quatro anos de solidão Uma grande luta, mas quem é a melhor das duas? "Como ser humano, naturalmente eu, mas ela é mais forte que eu e certas vezes devo ser-lhe grata porque, se não fosse por esta criatura, não teria feito nada de bom. Agora ela ganha, mas quando me deixa porque teve tudo que quis, também as coisas que nunca farei, fico transtornada, cheia de angústia e infeliz. Assim todos os dias me levanto e digo: "Hoje é o último dia", mas ela bate-me nas costas e diz: "Vamos Florinda, trabalhe". Assim, "a outra" sempre vence? - "Uma vez não me dei por vencida. Estava cansada de um cinema que me oferecia apenas papéis vergonhosos. Então disse à "outra" Florinda: "Agora você fique à vontade, fique com os seus desejos porque eu parto". E fugi para o Brasil onde tenho uma casa numa aldeia de pescadores. Durante quatro anos vivi em perfeita solidão, entre a areia, mar e não fiz nada. Só plantei árvores e lavrei a terra. Achei até tempo para tirar a licença de piloto de avião e para aprender a navegar com um pequeno barco". "Sou brasileira, graças a Deus" Depois, volta à Itália, o cinema procura-a. - "Fiz três filmes um atrás do outro" e logo depois, o teatro". E agora "La Piovra" (O Polvo). - "Vivo hoje, amanhã farei outra coisa, depois de amanhã outra ainda. Vivo na Itália, mas poderia viver na Finlândia ou no Japão, seria a mesma coisa. Não tenhos raízes, não sigo programas. Sou um pessoa que possui só o presente. O passado não me diz respeito e o futuro está nas mãos de Deus. E o presente é coisa breve, é pena desperdiçá-lo para correr atrás de alguma coisa ou de alguém". "Sou uma criança que quer divertir-se, não quero pensar em coisas sérias, embora seja muito séria, seríssima e aborrecidíssima. Se não fosse brasileira seria insuportável. Nós brasileiros temos entusiasmos incríveis de sol, de música, de sexo, de álcool, mas também grandes melancolias. Quando durante o Carnaval, as escolas de samba desfilam, os grupos tocam e cantam coisas tristíssimas. Também eu posso ser muito triste. Em vez, começo a rir até das desgraças, dos amores malogrados, rio sobretudo porque não gosto de drama. O drama para nós é aborrecido. Nós somos brasileiros, não gregos". - "Para mim as pessoas a amar são aquelas que tem coisas que eu não tenho. De bonito e de feio. Um homem deve ser muito forte, decidido, não poderoso socialmente, mas individualmente. Depois também bonito, viril, atraente, então me enamoro". Há muito desses tipos por aí? - "Eu amo muito, sou uma pessoa quase sempre apaixonada. Mas sei muito bem que o amor não é uma coisa fácil, porque no momento em que o banalize, talvez colocando duas escovas de dentes, como acontece com a convivência, o amor morre. Então eu procuro sempre manter o amor no sonho, como alguma coisa de inatingível. Por isso digo que quanto mais vivo, mais percebo que nunca conheci o amor verdadeiro, que não encontrei ainda o amor final". Aos vinte, aos trinta, depois aos quarenta anos, o amor é ainda assim? - "Talvez aos vinte anos me apaixonasse loucamente e me deixasse arrastar. Hoje, ao contrário, não me deixo arrastar, porque tenho muito medo de sofrer". Alguém disse que só se ama a mulher com a qual se pode chorar. Com Florinda pode-se chorar? - "Comigo uma pessoa pode fazer tudo, porque em matéria de amor sou uma derretida, nada dura, digo coisas terníssimas, sou capaz de fazer loucuras, torno-me romântica. Em amor tudo é permitido, porque dura pouco, acaba. Quando era mais jovem, durava no máximo dois anos. Agora, muito menos. Mas o amor é a única coisa que vale. O resto é nada, é indiferença". E o cinema, o dinheiro, os amigos importantes, o sucesso, não contam? - "Mas que necessidade há de ter tudo isto? Tenho um tio, meio índio, que um dia esteve no Rio, para ver sua irmã, que é minha mãe. E vi que trazia apenas uma pequeníssima mala, com uma roupa e um par de sapatos. Mas tio, não é possível ter apenas uma roupa, disse-lhe. E ele me respondeu: "Mas eu tenho apenas um corpo". Agora também eu quero viver assim. E o resto pouco importa. Fiz pouco, mas fiz e não tenho vontade de fazer mais nada. E quanto mais penso nisso, mais me dou conta de que não tenho mesmo vontade de fazer nada". LEGENDA FOTO 1 - Florinda Bulcão virou "Bolkan" para o cinema italiano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Leitura
24
02/03/1986

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br