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Aramis

Getúlio, por amigos e inimigos

A bibliografia sobre Getúlio Vargas é grande. Da literatura de cordel as mais complexas teses desenvolvidas por brazilinists que se debruçaram sobre nossa história contemporânea, a figura do caudilho gaúcho tem merecido as mais diferentes interpretações. E nem poderia ser diferente. Afinal, Getúlio Vargas, passados 32 anos de sua morte, continua a ser, talvez a mais forte imagem da política brasileira - e se assim não fosse não haveria ainda tanta disputa pelo espólio do PTB e da imagem nacionalista que ele deixou. Acrescentando-se a tantos livros sobre Vargas, aparece um livro diferente: "Getúlio - uma história oral" (Record, 320 páginas, Cz$ 99,00). Se biografias existem, inúmeras e excelentes, esta obra coletiva coordenada por Valentina da Rocha Lima é, no mínimo, uma biografia original. Não tem autor, mas autores - quase setenta; não nos dá uma visão, mas diversas visões sobre o biografado; não nos apresenta um Getúlio mas múltiplos Getúlios. Concebido e coordenado pela historiadora Valentina da Rocha Lima, da Fundação Getúlio Vargas, com a colaboração de mais sete pesquisadores, o livro foi escrito a partir dos registros do Centro de Pesquisas e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) - onde estão perpetuados em 1.300 horas de gravação cerca de duzentos depoimentos - e exigiu dois anos e meio de trabalho exaustivo mas apaixonante. FALA; TESTEMUNHA! - Falam amigos, adversários permanentes ou de circunstâncias, aliados, parentes e desafetos. Assim o protagonista se torna múltiplo. Estes depoimentos reconstituem a trajetória do político mais polêmico que o Brasil conheceu neste século. Para a montagem do livro em que o leitor se transforma em platéia, como se assistisse a uma peça de teatro, não foi necessário apenas condensar 17.700 páginas de entrevistas. Os narradores/personagens não descrevem situações estanques mas episódios que se entrelaçam, e só assim adquirem importância histórica. Como acentuou "O Globo", a aproximação dos depoimentos por afinidades políticas, divergências ideológicas ou ordem cronológica faz ainda com que o leitor examine os fatos sob dois pontos de vista: o peso dos indivíduos na construção das histórias e o peso do imponderável. Esse jogo de destino e livre arbítrio cruza o livro do início ao fim. Na primeira parte, "Origens", eles, os parentes, narram a história dos ancestrais do político, sua entrada na vida pública, o movimento de unificação do Rio Grande do Sul e os primeiros acontecimentos que gerariam a Revolução de 30. A segunda parte, "Ação", se constitui na fase em que Getúlio passa a ser protagonista da história política nacional. Este bloco é dividido em dois: no primeiro são os civis que falam do período; no segundo, os militares. Sobre a Revolução de 30, o nascimento do Integralismo, a Intentona, o golpe de 37, o afastamento de Getúlio de 50 a 54 e sua volta a presidência, falam os políticos de quase todos os Estados. Cansativo relacionar todos os depoentes. Mas um detalhe: nenhum nome da política do Paraná, provando assim a inexpressividade de nosso Estado em termos nacionais. Em compensação, um político da Paraíba, hoje aposentado, dedicando-se a pesquisa histórica, José Joffily, industrial em Londrina, comparece com um importante depoimento. Um livro preciso. Uma reconstituição do percurso de Vargas, através das palavras de seus contemporâneos. Explica Valentina da Rocha Lima, coordenadora: - "Procuramos manter a linguagem característica de cada um dos entrevistados. Assim, fala-se não só "daquele tempo", mas também naquele tempo. Como os personagens viveram a história, eles acrescentam a reflexão à experiência. Nesse sentido o livro expressa a relatividade da verdade - os discursos são a um só tempo unidos e ambivalentes, porque cada sujeito tem a sua verdade.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Leitura
2
15/06/1986

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