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Guilherme leva em solo no palco o "Sargento Getúlio"

Na última sexta-feira, em Blumenau, o ator, diretor e dramaturgo Ricardo Guilherme, da universidade Federal do Ceará, teve participação especial no Encontro de Escolas de Teatro. Desejava, em seu retorno, passar em Curitiba para tentar viabilizar uma temporada de "Sargento Getúlio" em algum de nossos palcos. Infelizmente, devido a compromissos maiores na capital cearense, não pôde, desta vez, acertar a inclusão de Curitiba entre as cidades brasileiras que assistirão a um dos espetáculos mais sólidos e impressionantes produzidos este ano. Após sua estréia no Rio de Janeiro, há um mês, "Sargento Getúlio" teve uma curta temporada (apenas quatro dias, Teatro Dulcina) em Brasília, onde tivemos oportunidade de reencontrar Ricardo guilherme, cujo trabalho conhecemos há muitos anos, e que, aos 36 anos, a serem completados no próximo dia 21 de setembro, é hoje um dos mais respeitados homens do teatro brasileiro. Com convites para se apresentar em muitas cidades - antecipando a excursão que fará a Alemanha, França, Espanha, Itália e Portugal (países que já levou outros espetáculos), será [lamentável] se não houver alguma movimentação das nossas ditas entidades (sic) culturais, para que esta originalíssima adaptação para o palco de um dos mais notáveis romances brasileiros - publicado em 1971 e que consagraria o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro (agora nome popular, com a adaptação de seu "O Sorriso do Lagarto" como novela na Globo) aqui seja aplaudida. A montagem de "Sargento Getúlio", à qual Guilherme dedicou-se por mais de um ano de ensaios e estudos, prossegue a uma linha teatral iniciada e desenvolvida já há anos e que ela chama de Teatro radical Brasileiro "que não teatraliza as situações dramáticas e sim os conflitos radicais que embassam situações radicalizando os dois elementos principais: ator e público" - conforme nos explicava, há uma semana, Ricardo, após a última apresentação de seu espetáculo no Teatro Dulcina - uma bela casa de espetáculos, que acaba de ser restaurada graças ao empenho de seu diretor, o veterano ator-diretor B. de Paiva, cearense que há muitos anos é um dos esteios culturais no Distrito Federal. A primeira experiência de Ricardo Guilherme no chamado Teatro Radical Brasileiro foi uma adaptação, também para espetáculo solo, de "Valsa Número 6", de Nelson Rodrigues. "A idéia é reduzir o teatro às suas raízes primárias, conseguindo ainda transcender a raiz da cultura brasileira, dando-lhe o que o ator chama de pan-brasilidade - a integração de todos os Brasis. Ao invés de dramatizar a folha, eu dramatizo a raiz". "Sargento Getúlio" é um sargento da Polícia Militar de Sergipe que nos anos 50 recebe de um chefe político a missão de ir buscar em Paulo Afonso, na Bahia, um militante político. Em meio a missão é surpreendido por uma contra-ordem, em função dos conchavos entre partidos, de soltar o preso e desaparecer. Getúlio decide, então, não cumprir o que mandam fazer e passa a ser cúmplice e vítima de seu próprio destino. "Encarna o personagem humano que se transforma em super-herói, num samurai do Nordeste", como escreveu a crítica Carmem Moretzchin, do "Jornal de Brasília". Já considerado um clássico do moderno romance brasileiro (e as obras seguintes de João Ubaldo, só confirmariam o seu talento), "Sargento Getúlio" teve em 1974 uma perfeita transposição à tela feita pelo também cearense (mais radicado em São Paulo) Hermano Penna, com Lima Duarte no personagem título. Uma das mais belas interpretações dos últimos anos, que lhe valeu todas as premiações nos festivais em que o filme foi levado. Foi assistindo ao filme, que Ricardo Guilherme, 21 anos de vida artística, curriculum dos mais respeitados com vários cursos e apresentações no Exterior, decidiu transpor o livro para o palco. Respeitando o texto original, Guilherme optou por reforçar a paisagem de autômato para autônomo, vivida pelo personagem. Numa criação originalíssima - usando (como Marcelo Marchioro já havia feito no Guaíra na montagem da peça "Eu, Feuerbach", com Emílio Pitta) o próprio palco como platéia - reduzindo assim o público para o máximo de 100 espectadores - Ricardo Guilherme desenvolveu um cenário que é apenas uma trilha reproduzindo a estrada. "Qualquer que seja ela, um caminho para este herói libertário, transgressor e subversivo, que resolve reger seu próprio destino e que vive, neste cenário, sua transfiguração e morte" como sensivelmente observou a crítica Carmem Moretzchin. Fazendo sete personagens, em inflexões de vozes perfeitas - numa interpretação e, que vai do ritual a leveza da dança - Ricardo Guilherme conseguiu montar um espetáculo para todas as dimensões que merece os aplausos que vem conquistando. Obra-prima como livro, perfeito em sua adaptação ao cinema, "Sargento Getúlio" tema agora, no palco, uma encenação magnífica - que aqui registramos, independente da vinda ou não do espetáculo a Curitiba, como informação aos leitores sobre uma das melhores montagens deste ano - e que, não nos surpreende se valer a Ricardo Guilherme premiações nacionais e internacionais. FOTO LEGENDA : Ricardo Guilherme em "Sargento Getúlio": o teatro radical num espetáculo-solo com toda dimensão do romance de João Ubaldo Ribeiro.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
14/07/1991

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