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Aramis

"Heimat", o longo e admirável filme

Quem se impressionou há 31 anos com a metragem de 240 minutos de "Os Dez Mandamentos" de Cecil B. De Mille e, depois, ainda impressionou-se com as longuíssimas (para a época) durações de "Ben Hur" (1959), de William Wyller ou "Cleopatra" (1963), de Joseph Mankiewicz - para só lembrar três exemplos de filmes que fugiram da metragem tradicional, não sabia o que estava por vir. Filmes com 9, 10, até 15 horas e meia, que se sucederam, especialmente Alemanha. É bem verdade que os filmes de De Mille, Wyller e Mankiewicz eram produções destinadas para o cinema, nas sessões comerciais - e o ato de ultrapassarem as duas horas já assustava os exibidores. Já com o advento da televisão, houve a possibilidade de desdobramento dos filmes em capítulos, nascendo as minisséries e permitindo que personagens e ações se alongassem demoradamente. Isto sem falar nas telenovelas, que é um outro capítulo. xxx De todas as produções originalmente rodadas em 35mm, a mas longa de todas é "Heimat - A Terra Natal", que na edição final acabou ficando com 15 horas, 24 minutos e 10 segundos. Ultrapassou, assim, a "Alexanderplatz", que Werner Fassbinder (1946-1982) realizou já no final de sua vida e a versão de 9 horas sobre a vida e os tempos de Adolph Hitler, de Hans Jurgen Syderberg - mastadônticas produções que, fora da Europa, praticamente não tiveram exibição comercial. A exemplo de "Alexanderplatz", "Heimat" foi negociado pelo Goethe Institut para pouquíssimas exibições no Brasil. Inicialmente, foi apresentada durante a XV Mostra Internacional de Cinema, organizada por Leon Kakoff, em novembro último, em São Paulo. Agora, está sendo levada às capitais onde o Goethe mantém representação. O presidente da Fundação José de Anchieta, em São Paulo, chegou a pensar na compra desta série para apresentação na TV Cultura, mas, até agora, as negociações não prosperaram. Assim, quem ama muito ao cinema e deseja conhecer um filme do qual se fala bastante mas poucos assistem, está enfrentando, desde a última sexta-feira, longas sessões no Luz, para conhecer as 11 partes de "Heimat". Na verdade, são menos de 100 espectadores que estão assistindo as sessões - a maioria por pessoas que conhecem bem o idioma alemão, embora a cópia esteja (bem) legendada. Dos cinéfilos da cidade, o único que se dispôs à maratona foi o advogado Nilson Ramon, 52 anos, o mais feroz devorador de filmes de arte de nossa comunidade. xxx O sacrifício vale. "Heimat" é um filme marcante, profundo, extremamente bem realizado e só tem a lamentar que devido a sua longuíssima extensão, não tenha, jamais, condições de uma exibição comercial nos circuitos tradicionais. O realizador Edgard Reitz, 55 anos, 30 de cinema, foi original em sua visão da Alemanha neste século: acompanhando a vida de uma pequena (e imaginária) aldeia, Schabach, na região de Hunsruck e focalizando especialmente a família Simon, vê como a política transformou os personagens - a partir de 1919, no final da I Guerra Mundial. O nascimento do nazismo, nos anos da guerra, a reconstrução da Alemanha até os dias de hoje (a ação se encerra em 1982) - ganham uma grande dimensão humana e social neste filme cujo interesse aumenta a cada parte. Produção esmeradíssima, que se alongou por cinco anos e quatro meses (janeiro de 1979 a maio de 1984), "Heimat" mobilizou 50 atores e atrizes principais e mais de 5 mil participantes, em seqüências rodadas em várias partes da Alemanha. A fotografia de Gernot Roll utilizou 320 mil metros de filme virgem - dos quais 200 mil em preto e branco, numa combinação com as seqüências coloridas, outras em sépias, que dá um dinamismo inclusive à montagem de Heidi Handorf - que, por sinal, teve um trabalho imenso para dos milhares de pés rodados, chegar à versão definitiva. Um dos pontos altos desta superprodução - só possível num país em que as cadeias de televisão (no caso a WDR/SFB) investem seus recursos em realizações culturais - é a trilha sonora. O compositor Nikos Mamangakis criou uma partitura notável, que mesmo tendo temas diferentes a cada personagem e situações, apoia-se, basicamente em alguns momentos centrais. Seja com momentos orquestrais ou em solos de violão, flauta e piano, a música de Mamangakis é extraordinária e é de se lamentar a total impossibilidade de se conseguir ao menos reter sua beleza através de uma gravação. Os intérpretes escolhidos por Reitz não poderiam ser melhores. São atores e atrizes, desconhecidos no Brasil (Marita Breuer, Dieter Schaad, Michael Lesch, Eva Maria Bayerswaltes, Rudiger Weigang, Karin Rasenack, Gertrude Bredel, Michael Kausch, Gudun Landgrebe, nos personagens centrais) que emocionam em suas interpretações, algumas envelhecendo ao longo da história, como as atrizes que interpretam a matriarca Katharina Simon, o seu marido Mathias Simon, seus filhos Eduard, Pauline e Paul - sem falar na admirável Marie Goot, sobre quem se conduz toda a narrativa, até a sua morte, em 1982 - capítulo "A Festa Dos Vivos E Dos Mortos", que, exibido hoje a noite, encerra a promoção. xxx Após Curitiba, "Heimat - A Terra Natal" estará sendo apresentada em Salvador. Vera Lúcia, ultra-eficiente executiva do Goethe Institut, diz que "no futuro, sem data prevista", será possível ter o retorno deste filme - assim como "Alexanderplatz", aqui mostrado, também numa exaustiva linha das longuíssimas metragens, além do "Hitler", de Syderberg, fica-se também a esperança de "Shoah", um dos mais completos filmes sobre o genocídio judeu, realizado há dois anos pelo jornalista francês Claude Lanzmann - e que teve uma única exibição no Rio de Janeiro, no encerramento do II Festival Internacional de Cinema, Televisão e Vídeo. Aliás, para compensar a ausência do filme - que teria interessado à Comunidade Israelita, em termos de exibição - há pelo menos na edição de seu roteiro, pela Brasiliense ("Shoah - Vozes e Faces do Holocausto", 268 páginas, Cz$ 190,00).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
08/04/1987

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