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Aramis

A história do cinema reescrita por Godard

Na impossibilidade de se registrar, detalhadamente, todos os filmes (e vídeos) apresentados num evento da dimensão do FestRio - mas dar uma idéia ao leitor do que se conseguiu reunir numa mostra como esta - equivalente aos cinco maiores festivais classe "a" do mundo (Cannes, Berlim, Montreal, Moscou e Veneza) - pode-se agrupar os filmes em competição e nas mostras paralelas em temáticas, que, ajudam a definir os caminhos da criação que se faz neste final de século. Por exemplo, repetiu-se em Fortaleza aquilo que já se havia detectado em Cannes, neste ano: o cinema voltando-se para o seu umbigo, ou seja com filmes que tem temas ligados ao próprio cinema - desde a decadência das salas de exibição ("Splendor", de Ettore Scola - aqui mostrado hors-concours; ou "Cinema Paradiso", de Giuseppe Tornatore) - até reflexões de Jean Luc Godard, 59 anos, 45 de cinema, que com sua personalíssima produção para a televisão francesa - "Histoire(s) Du Cinema", em duas partes, apresentado em Cannes e trazida para a mostra de vídeo de Fortaleza, faz um verdadeiro ensaio sobre a arte que sempre o fascinou. Como na fase mais rebelde do "Cahiers du Cinema" (Época da capa amarela entre 1954/59), Godard "escreve" a sua "Histoire(s) du Cinema", através de montagens de centenas de trechos, fragmentos e seqüências de obras que, em sua metralhadora visual (leia-se moviola) compõe idéias, equações e proposta - por ele resumidas em frases fragmentadas, como uma poesia concreta, sobre as imagens. Um delírio criativo, para múltiplas interpretações que encantaria Paulo Leminski - se estivesse entre nós - ou Lelio Sotto Maior Jr., que, pioneiramente no início dos anos 60, aqui em Curitiba, era a primeira voz a proclamar a genialidade de Godard e da nouvelle vague - tão incompreendida pelo sectarismo da inteligentzia (sic) local. xxx De certa forma, a projeção das duas partes de "Le Histoire(s) Du Cinema" é, longe de um caráter didático (só mesmo quem conhece bem cinema poderá identificar as centenas de rostos e cenas extraídas dos mais diversos filmes que passam rapidamente), uma síntese em torno do cinema, toda sua mitologia, fascínio e lado cultural (?) ou/e econômico. Produção que reuniu recursos da Gaumont/La Sept/Canal Plus, pela utilização de cenas de centenas de obras de várias origens, a comercialização das duas partes de "Histoire(s) du Cinema" só foi autorizada para a França. Assim, para que este vídeo pudesse ser mostrado comercialmente no estrangeiro haveria necessidade de pagamentos e autorais extras. Igualmente foi o caso de "Liberté", montagem de Laurente Jacob, exclusivamente para o último festival de Cannes, mostrando que desde o seu nascimento, o cinema sempre foi interessado na Revolução Francesa e numa antologia de 60 seqüências, cineastas franceses interpretam a Revolução em belíssimas variações sobre o mesmo tema. Mesmo programado para o seminário "A Revolução Francesa e o Cinema", na última hora a coordenadora Cláudia Furiatti, recebeu a informação de que esta antologia não poderia ser exibida, já que seus direitos restringiam-se ao Festival de Cannes - onde ela havia feito os contatos para trazê-lo a Fortaleza. Às vésperas dos 60 anos, Godard continua com aquela juventude plena, de idéias (e ação) que o fizeram um dos nomes-mitos do cinema nos últimos 30 anos. E a câmera o focaliza entre a máquina (elétrica) de escrever e a moviola, na qual vai tirando aquilo que entendeu como os passos básicos do cinema - de Lumiére aos contemporâneos desta década, demorando-se em alguns momentos - como na belíssima seqüência final de "Duelo ao Sol", 1946, de King Vidor (1895-1962), com Pear, (Jennifer Jones no auge de sua beleza) escalando a montanha para morrer ao lado de seu amado/odiado Lewt McCanles (Gregory Peck), revisto pelo olhar de Godard, este momento admirável de um dos clássicos de Hollywood (re)adquire um sentido mais amplo, mais significativo. xxx Também seqüências de inúmeros filmes do mestre John Huston (1906-1987), (re)adquirem uma nova visão na leitura que Franck Martin faz no filme homenagem "John Huston: The Man, The Movies, The Maverick", apresentado no último festival de Montreau, e cuja única projeção em Fortaleza deveu-se aos esforços do jornalista João Luiz de Albuquerque, que se empenhou a fundo para que esta homenagem maior ao diretor de "Moby Dick" pudesse ser incluída numa mostra paralela (e por sua importância, voltaremos a falar com mais vagar sobre este documentário, infelizmente de difícil comercialização no Brasil). xxx Entre os vídeos em competição, também dois deles se voltaram ao cinema, conforme já registramos: "Los Tambores", Suíça, de Olivier Frei, um curta metragem sobre a vida de Luis Buñuel (1900-1983). Já "L'Autre Cannes", França do árabe Ahmed El Maanouni, focalizou a face oculta de Cannes, cruel no tratamento para com os jovens cineastas em busca de uma primeira oportunidade. LEGENDA FOTO - Quase sexagenário, Godard continua uma metralhadora visual: com "Histoire(s) du Cinema" faz uma revisão personalíssima do mundo das imagens.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
08/12/1989

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