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Aramis

Histórias de nosso futebol (III) - O mais curto dos jogos e um juiz que quase acabou louco

Embora seja, fundamentalmente, uma obra expositiva e cronológica da evolução do futebol no Paraná, o livro que os pesquisadores Levi Mulford e Heriberto Ivan Machado realizaram após anos de pesquisa traz fatos curiosos - inclusive detalhando estórias que, até hoje, faziam parte do folclore futebolístico - mas sem maiores detalhes. Por exemplo, uma das situações mais curiosas, foi a que ocorreu no clássico Atlético x Coritiba, no domingo, 23 de fevereiro de 1947, mas em virtude válida ainda dentro do campeonato estadual de 1946 (que naquele ano se estendeu). O jogo foi anulado, quando o Atlético perdia de um a dois para o Coritiba, com o que não se conformou a diretoria do time da baixada. Através do advogado Joffre Cabral e Silva (1914-1967) - atleticano doente e que viria a presidir no final de sua vida o clube (morrendo, inclusive, de enfarte durante uma partida com o Paraná F. C., em Londrina), o Atlético exigia exame de sanidade mental do juiz Ataíde Santos - que chegou a ser examinado por uma junta médica. O professor Heriberto comenta: - "Lendo-se hoje o arrazoado jurídico em que o Dr. Joffre exigia o exame de sanidade mental do árbitro, sentia-se uma verdadeira página de humor, com pitadas racistas. Se a Lei Afonso Arinos fosse aplicada, em termos de consideração dos argumentos ali levantados, a diretoria do Atlético é que seria condenada". xxx No mesmo campeonato, dois meses antes, houve o jogo mais rápido da história: em 1º de dezembro de 1946, em outro clássico Atletiba, com o resultado de um a zero em favor do Coritiba, o jogo foi suspenso aos 8 (oito) minutos. Deixemos que os próprios autores relatem estar partida digna de figurar numa edição de esporte do Guinnes Book of Records: Foi o seguinte: "O Tribunal de Justiça Desportiva havia suspenso o jogador Lolô, do CAP, por 30 dias, e o rubro-negro declarou, através de seus dirigentes, que não entraria em campo para enfrentar o Coritiba se tal pena não fosse comutada. Às pressas, no sábado pela manhã, o Tribunal da FPF reuniu-se, revogando a decisão anterior e dando condições para que o jogador participasse do clássico. Um julgamento de encomenda, diziam os coxas. Ainda no sábado à tarde, quando jogavam os amadores das mesmas equipes, o árbitro Ataíde Santos suspendeu a partida, alegando falta de garantias para a continuidade da mesma. O ambiente "esquentou" ainda mais. Tudo estava "preparado" para empanar o brilho do jogo marcado para o domingo, à tarde, no Alto da Glória. E, logo que o jogador Jackson empatou o jogo, aos 8 minutos (o Coritiba vencia por um a zero, gol de César Frízio), o ponteiro esquerdo atleticano Cireno, foi ao fundo das redes apanhar a bola, alegre pelo feito do companheiro. Na passagem pelo desolado goleiro coritibano Belo, tira-lhe o gorrinho e sai correndo até o meio do campo, sempre perseguido pelo mesmo. Belo, que era careca e não gostava de mostrar sua calvície, avança o jogador atleticano, agredindo-o. Leopoldo Xavier Viana, árbitro do jogo, vendo aquela agressão incontinente expulsa o goleiro coritibano. O jogador expulso não aceitou a decisão do árbitro, iniciando-se um tumulto com a participação de diretores do alviverde que exigiam também a expulsão de Cireno. Como o árbitro manteve-se irredutível, os dirigentes não permitiram a seqüência do jogo e os atletas das duas equipes ficaram sentados no gramado, enquanto as discussões continuavam e o juiz, após 15 minutos de espera, deu por findo o "espetáculo" ficando por conta do TJD a palavra final. No dia 6 de dezembro foi feito o julgamento e o TJD considerou o Atlético vencedor por desistência do adversário, punindo o jogador Belo por dois jogos e multando o Coritiba em Cr$ 500,00". xxx Dois meses depois, por ocasião do jogo relativo ao 3º turno, em 23/02/1947, também no Belfort Duarte, o Atlético vencia por um a zero, gol de Rui, quando aos 16 minutos, Joaquim recebe uma falta de Gouveia e revidou dentro da área. O juiz Ataíde Santos expulsou Joaquim, marcando a penalidade. Muita discussão e finalmente o penalte é cobrado. César Frízio marca o gol de empate. No 2º tempo, aconteceu mais um gol a favor do Coritiba (Paulinho). Descontente com a decisão do árbitro, ao terminar o jogo, o Atlético decidiu, por sugestão de Joffre Cabral e Silva, exigir o exame de sanidade mental do juiz - conforme relatamos acima. Pouco adiantou: no dia 14 de março reuni-se o TJD e optou pela anulação do jogo, atendendo ao pedido atleticano, mas nem chegou a ser mandada uma nova partida pois o campeonato já havia encerrado no dia 9 com o Coritiba sendo proclamado campeão. O árbitro Ataíde Santos teve que submeter-se ao vexatório exame de sanidade mental, mas provou-se que não era o louco perigoso - conforme a acusação da catilinária do Joffre Cabral e Silva. Ficou a história, entretanto, para o folclore esportivo! xxx Embora sem pretender entrar em detalhes sociológicos, a leitura atenta do "Futebol / Paraná / História" pode oferecer pista para trabalhos específicos - inclusive no exame das relações étnicas nos clubes de futebol, que aqui nasceram com jogadores brancos, filhos de famílias de imigrantes - especialmente alemães, italianos e poloneses. Por exemplo, o JUNAK, fundado nos anos 30, era formado basicamente por poloneses e foi o presidente capitão Emanuel de Moraes, que ao tomar posse, no dia 13 de maio de 1938, decidiu "nacionalizar" o chamado "clube dos polacos", mudando a denominação para Sociedade Educação Física Juventus - que existe até hoje, embora sem atuação na área futebolística profissional. No Coritiba F. C., o primeiro jogador negro foi Janguinho (João Ferreira dos Santos), hoje aos 78 anos, que com seus irmãos Bananeiro (Haroldo), José e Osvaldo (Baiano), foram titulares por anos do C.A. Ferroviário e que, por várias vezes integraram a seleção paranaense. Janguinho e Ferreira no ano de 1935 sagraram-se campeões paulistas de futebol integrando a equipe do Santos F.C. LEGENDA FOTO - Levi e Heriberto: anos de pesquisas para escrever "Futebol / Paraná / História", o mais completo levantamento sobre este esporte já feito em nosso Estado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
23/02/1991

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