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Aramis

Idéias de Lerner sobre as cidades

Enquanto faz conferências na Berkeley University, em San Francisco, Califórnia - e reitera, telefonicamente, a migos, de que não devem estimular as especulações sobre seu nome como candidato a prefeito de Curitiba, Jaime Lerner quer consolidar seu trabalho de arquiteto e urbanista. Hoje com seu trabalho reconhecido internacionalmente - mas desiludido, politicamente no Paraná, o ex-prefeito de Curitiba prefere, muito mais, a área técnica, embora, como executivo e administrador, tenha alimentado propósitos de contribuir com seu Estado. Às vésperas do encerramento do contrato de seu escritório de planejamento com o governo Leonel Brizola, que o levou ao Rio de Janeiro, como uma espécie de secretário especial para o ano 2000, Lerner fez uma espécie de prestação de contas do que ali realizou, no último número da revista "Módulo", fundada e dirigida por Oscar Niemeyer, e a mais respeitada publicação na área de arquitetura, agora novamente circulando regularmente. Entre os vários textos, preparados pela jornalista Rosa Nepomuceno, Lerner incluiu um artigo, onde seu lado de poeta convive com o de técnico. Começa pela epígrafe, citando Aloísio Magalhães: "A história é como um estilingue. Quanto mais fundo se puxa mais longe se alcança". Mesmo centrada sobre sua experiência no Rio de Janeiro, nos vários projetos ali desenvolvidos, alguns trechos do texto de Jaime Lerner merecem transcrição, pois se aplicam a qualquer cidade. Ainda mais em Curitiba, onde, por ódio e mesquinharia, existe uma estúpida preocupação dos atuais donos do poder municipal em minimizar o muito do que Jaime aqui realizou, em suas duas administrações como prefeito. xxx Num trecho de seu artigo, Jaime Lerner diz: "Identidad y pertenencia. Confesso que essas palavras (mais fortes em espanhol) constituem quase uma obsessão. Não conheço nada melhor que os vários movimentos do urbanismo contemporâneo e as visões do futuro possam ter criado. Por isso fico com ela". Sobre a integração ferrovia-cidade, Lerner pensa: "A estação é o centro de bairros e municípios servidos pelo trem. Em seu entorno estão as edificações que são os marcos da história e da cultura urbana desses locais. Hoje a via férrea divide os bairros em dois blocos independentes. São como dois mundos sem comunicação entre si. O passageiro dentro do trem nada vê e nada sabe da parte da cidade que ele percorre. Seu contato com o mundo exterior se resume às estações de embarque e desembarque. É como um filme só com início e fim. O espaço aéreo sobre o traçado ferroviário é um dos poucos espaços ainda não comprometidos. Partindo das estações, a idéia é construir estruturas de ferro que lembrem as antigas gares de apelo histórico-cultural marcante. A gare contribuiria para restituir dignidade ao transporte coletivo, se caracterizaria como um equipamento comum em vários bairros, integrando todos os tipos de vizinhança. Estabeleceria também um padrão comum de identidade do carioca com o seu sistema de transporte. Seria como agregar o morador de subúrbio ao sentimento de visão global da cidade. O trem que hoje separa as pessoas seria um elemento de união." xxx Outro pensamento, que mesmo referindo-se a um projeto desenvolvido no Rio de Janeiro, possui maior abrangência: "A sociedade é a cidade. E a cidade é a rua. Rua no sentido de síntese da cidade, rua como integração de funções. Rua que sempre existiu na vida de qualquer bairro. Hoje ela está dividida entre a perda de sua característica principal que é a do encontro das pessoas e a de resolver o problema do automóvel, para o qual não estava preparada. A idéia do boulevard - utilizando o espaço linear e contínuo sobre a ferrovia - é a de reassumir a rua com o seu papel principal de encontro". xxx Voltado a questões ecológicas e de preservação, Lerner raciocina em outro trecho: "Nenhuma proposta de futuro pode abdicar da preservação do meio ambiente. Ela passa pela preservação dos rios, lagos, bosques, florestas. Talvez a transformação mais significativa nas cidades do futuro aconteça pela modificação da escala dos geradores de empregos. Seja nos setores de serviços ou de indústria, eles serão decompostos e ficarão mais perto e mais integrados à moradia. Por isso é fundamental que cada região da cidade esteja preparada para receber a função que está faltando". xxx Por último, a teoria para um de seus projetos mais interessantes - o aproveitamento integral de determinadas áreas. "Alguns eixos podem exercer papéis diferentes durante as 24 horas do dia. Eixos de grande solicitação viária podem, em determinadas horas,virar estacionamento, vias de distribuição de mercadorias ou outras atividades. Assim, o trilho que traz os produtos de consumo pode levar de volta o resíduo do que foi consumido. Nenhuma grande cidade pode se dar ao luxo de abandonar suas áreas mais equipadas durante tantas horas. Por isso a 'Rua 24 horas' vai começar a acontecer". xxx Quando se fala em Jaime Lerner e seus projetos é preciso entender que se ele personaliza todo um pensamento e filosofia urbanística, muito se deve à sua equipe. Na maioria, colegas que o acompanham há muitos anos, desde os seus tempos de arquiteto do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, que, até há dois anos, era o grande centro de inteligência e pensamento urbanístico do Brasil, modelo nacional - hoje esvaziado, maltratado e que pode até acabar exclusivamente por vaidades e pretensões políticas. Na equipe de Lerner que atuou no Rio de Janeiro o supervisor foi Cássio Taniguchi, um exemplo de profissional da maior competência, engenheiro formado pelo ITA, e que passou pelas presidências da Urbs e Ippuc, realizando trabalhos marcantes. Na coordenação, os arquitetos Taco Roorda, Carlos Ceneviva, Abrão Assad, Paulo Kawahara e Rafael Dely, este ex-presidente da Cohab - onde fez uma administração marcante. Também na equipe, o economista Alberto Paranhos, outra competência que o Ippuc perdeu. Junte-se a eles mais 17 arquitetos, comunicadores visuais, engenheiros e até estagiários que, juntos, apresentaram um trabalho coeso de planejamento.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
06/02/1987

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