Jacqueline, 21 anos com poesia neste dia
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 31 de março de 1990
Hoje eu não mais quero
ter
nem ser.
Quero tudo que não posso
só quero te ver
viver
("Oma", poema de Jacqueline
André Glaser).
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Helena Kolody, 81 anos no registro civil, 18 em sua iluminação juvenil.
Jacqueline Andréa Glaser, 21 anos comemorados neste sábado, 30, e que ganhou como presente de maioridade a edição de "Encantamentos" (edição da autora através da Lítero-Técnica, 75 páginas, prefácio de Juril de Plácido e Silva Carnasciali, capa de Suzana Lobo Cr$ 200,00; lançado ontem à noite no Elo Hotel).
Entre tantas mulheres que buscam a poesia, Jacqueline tem o vigor da juventude e a saudável inquietação de buscar respostas a tantas questões. Se na multiplicidade de suas indagações resulta uma poesia desigual, há a sinceridade, espontaneidade e idealismo - méritos que fazem este seu livro de estréia destacar-se entre publicações de (ditas) poetisas que pouco tem a acrescentar.
Filha de uma educadora, Neorea Zuleika Glaser (que no ano passado publicou "Meio Século de Educação no Paraná"), formada em pedagogia e na sua generosidade jovem dedicando-se especialmente ao ensino de crianças excepcionais - (na Clínica São Marcos e Escola Primavera), Jacqueline procura o (nem sempre fácil) equilíbrio da poesia-realidade, com toques sociais, no romantismo e mesmo a tênues ensaios para (futuros) vôos maiores. Assim, de seu dia a dia com as crianças excepcionais resulta o descritivo que o faz indagar "que ser é este/que não fala/que ensaia murmúrios desarmônicos/que depois de desajeitados passos/tropeça nos próprios pés". A visão social, sensível aos deserdados da sorte, a faz ver "garotos de rua/filhos da mãe lua/conhecem a vida crua/da comida do lixo/conhecem a vida fria/das noites sob as pontes".
A busca de palavras, a natural admiração pela poesia musical de Chico Buarque, desculpa a explicita citação que faz em "Máscara", na qual, buscando um ritmo sonoro.
Venha me ensinar/como pesar
os prós e os contras
agora me conta como nos
separamos
se dançando/ainda pisas no meu
pé
e o meu vestido/sem querer
engata em você
(qualquer semelhança com "Eu Te Amo" não é mera coincidência!).
O romantismo perplexo está em "Incerteza Maior", com a valorização da simplicidade: "Veja bem/que bagunça/você me fez/estas tuas manias repentinas/agora dê sumiço nos calendários/para que não voe com nosso tempo".
Aos 21 anos, é lindo fazer "Interrogações" como:
Hoje eu perguntei/para o meu
sorriso
porque ele não resiste
em aparecer/quando te vê
21 anos, hoje comemorados, na simplicidade da poesia adolescente:
"Maioridade/maturidade/manter a idade/nada é verdade/que se nade/e se acabe/de tanta vontade/de liberdade/capacidade/que ultrapassa a vida/e invade/toda profundidade/de cada um ser/apenas sua propriedade".
Outro momento de busca da (tão necessária) ourivesaria que marca os bons poetas na simplicidade de "Nó(S)":
Abraço/mesmo que/um laço
quando falta espaço/embaraço
refaço/nos acho/quando falta um
pedaço
acaba/nós em/nó
Jacqueline Glaser, 21 anos neste sábado, uma (nova) poeta em construção que, no ano passado, entre 680 concorrentes, mereceu a premiação do 9º concurso de poesias da Universidade São Francisco de São Paulo, com seu "Encantamentos".
No canto me encanto
e canto
enquanto tu
no teu canto
cantas
e me espanta
de tanto canto
que de todos os cantos
encanta
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