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Aramis

João Antônio, o autor universal

Antes de partir para a Europa, onde durante 70 dias percorreu Portugal, Alemanha e Holanda, proferindo uma série de conferências, o escritor João Antônio - autor de Malagueta, Perus e Bacanaço e Leão de Chácara, entre outras obras - acreditava ter pronto um novo livro de contos. Por este livro, inclusive, recebeu o Prêmio Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte. Mas, recém-chegado, descobriu que ainda tem muito a refazer até dar por concluído este volume, cujo título, supersticioso que é, prefere não revelar por enquanto. A viagem ele conta, "mexeu fundo" com sua cabeça. Novamente instalado em seu apartamento em Copacabana, com vistas para a Praça Serzedelo Corrêa, microcosmo da realidade brasileira (ou, como diria João Antônio, do "miserê" circundante), o escritor confessa-se em pleno choque cultural: - Parece que chego de outro mundo. A dignidade individual - isso é que é sério lá fora, na medida em que a vida é para valer, a vida não é uma mentira. Lá, o presidente é presidente, o pão é pão, o vinho é vinho, o dinheiro é dinheiro, e vai por aí você chega até os sentimentos. Não é esta mentiralhada que se vê por aqui - diz João Antônio, transpirando indignação, enfático como costuma ser quando fala das injustiças sociais. Não foi sua primeira viagem ao Exterior, mas das outras vezes, na condição de jornalista, pouco tempo teve para aprofundar-se no conhecimento dos povos e terras visitadas. Desta vez, rumou para Portugal, na companhia de mais onze escritores brasileiros, a convite do Ministério da Cultura do governo português. Os autores foram selecionados por Cremilda Medina, que lançou em Lisboa o livro A Posse da Terra, reunindo depoimentos de diversos nomes da literatura brasileira. De Portugal, João Antônio seguiu para a Holanda, a convite da Universidade Real de Utrecht, onde o professor Ruud Ploegmakers defendeu tese de licenciatura de mestrado sobre a sua obra. A tese chama-se "Frescuras do Coração - a Melancolia nos Contos do Submundo de João Antônio". Além de Utrecht, o escritor fez conferências em Amsterdam e Haia. Na Alemanha, levado pela amiga e estudiosa de seus livros Hay Gude Martin, Leituras de seus contas em Bielefeld, Frankfurt, Heidelberg, Erlangen, Munique, Berlim e Colônia. Em cada uma destas cidades, corria dois ou três lugares - teatros, universidades, livrarias, bibliotecas e centros culturais. O texto era inicialmente lido em português, depois em alemão, seguindo-se o debate. João Antônio pôde constatar, a partir destes encontros, o quanto seu texto é universal. - Apesar de não entender o alemão, pude perceber isso, especialmente em Colônia, onde meu conto foi lido por um ator profissional. Senti entusiasmo tanto em sua dicção quanto na reação do público. Discutiu-se muito sobre a psicologia dos personagens, em particular a figura da mãe, em Meninão do Caixote. Enquanto aqui as pessoas jamais se libertam de uma presilha, uma ligação muito profunda com a mãe, o pai, lá a coisa é bem menos dramática. Traduzido no México, Argentina, Polônia, Venezuela, Alemanha, Holanda e Checoslováquia (onde o conto "Malagueta, Perus e Bacanaço" foi radiofonizado integralmente), o escritor observa que a versão de seus livros para outras línguas não é tarefa fácil "Não é questão só da língua, mas também do ritmo, da melodia da frase". Ele mantém correspondência constante com seu tradutor alemão, Curt-Meyer Clason, o mesmo de Guimarães Rosa, que, certa vez, lhe pediu em carta informação acerca de quase 50 palavras. - O meu - explica João Antônio - não é um texto que permite leitura dinâmica. Não escrevo para leitores de leitura dinâmica, o que dificulta muito uma tradução à altura deste texto. Com o último livro publicado em 1982, Dedo-Duro, João Antônio, no entanto não tem pressa de apresentar novo volume. A viagem à Europa lhe colocou questões importantes, que, de uma forma ou de outra, certamente se verão refletidas em seus próximos textos. Ele compreendeu definitivamente que a literatura é o que há de mais sério em sua vida - "mas, suspiradamente, ai das outras coisas" - e que é imensa a responsabilidade do escritor brasileiro: - Quando se escreve sobre coisas brasileiras, se está dando um recado da nossa cultura, da nossa forma de ser. Isso entendi muito lá fora. Coisas que aqui passam desapercebidas pelo uso permanente no dia-a-dia, refletem a alma de um povo, sua maneira de ser. É preciso colher estes gestos com mais intensidade. O escritor brasileiro fica meio inibido ante a riqueza desconcertante do povo brasileiro. Tratado e respeitado lá fora como um cidadão,("aqui não existe cidadão, existe contribuinte"), João Antônio voltou literalmente deslumbrando. Com a civilização européia, é certo, mas, muito mais do que isso, com a própria vida: - A vida é uma dádiva tão preciosa que precisa ser vivida com merecimento. A comédia brasileira é nefasta a esse merecimento. Estou preocupado em como é que eu chego realmente ao merecimento de viver tanta doçura. Porque essa vida é mesmo uma dádiva, apesar de ou até por causa de. LEGENDA FOTO 1 - João Antônio: êxito europeu
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
05/09/1985

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