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Aramis

A justiça projetada (sem olhos vendados)

Teoricamente, os estudantes de Direito constituem uma faixa de acadêmicos com indagações sociais e políticas, preocupações de ordem intelectual e pretensões de colocações filosóficas e ideológicas. Das faculdades de Direito saíram cargos no Executivo, legislativo e Judiciário, naturalmente. Seria natural que filmes que tratassem de temas ligados à lei e a justiça encontrassem uma repercussão por parte dos estudantes e, por que não dizer, dos profissionais - advogados, promotores, juizes e mesmo os veneráveis desembargadores. Entretanto, pelo visto o desinteresse na área é imenso, haja vista a melancólica carreira que "Justiça para todos" (Cine Astor, hoje último dia em exibição) fez em Curitiba. Indicada a dois Oscars - melhor ator (Al Pacino) e melhor roteiro original (Valerie Curtin/Barry Levinson)"... And Justice For All" encerra hoje sua temporada com uma baixa renda e, a curto prazo, sem possibilidades de ser reprisado. Trata-se, entretanto, de um dos mais contundentes filmes já realizados sobre a justiça e, desde já, candidato a figurar em nossa relação dos melhores lançamentos de 1980 em Curitiba. Xxx Na primeira seqüência, a câmara começa focalizando a chegada na prisão de um "gay" acusado de roubo, Ralph Agee (Robert Christian). Em primeiro plano aparecem suas pernas, sapato de salto alto, até entrar na prisão onde vários detentos começam a fazer provocações piadas. Numa cela, Arthur Kirkland (Al Pacino), advogado, está preso por ter desacatado ao juiz Felming (John Forsythe) numa sessão do Tricote de Baltimore. Um dos presos urina na cela e o odor permanece nos trajes de Kirland, como personagens dirão em seqüências seguintes. A colocação é sintomática: ao longo de todo o desenrolar de "Justiça Para Todos", Norman Jewison, o diretor, parece ter tentado manter aquele clima pesado, sujo, fedorento, de uma prisão. "...And Justice For All" não é um filme contra as injustiças que se cometeu em nome da lei e da ordem. Os roteiristas Curtin e Levison não poderiam ter sido mais felizes no tratamento do tema. Através do advogado Arthur Kirkland, 12 anos de profissão, divorciado, com um trabalho intenso e desgastante, é construída toda uma trajetória dentro do cipoal jurídico: o sectarismo de um juiz hipócrita e sexualmente anormal, Fleming, que provoca a morte de um inocente, o garoto Jeff McCullaugh (Thomas Waites), a desilusão e desespero de um advogado, Jay Porter (Jeffrey Tambor). Após saber que um criminoso que absolveu, voltou ao crime e assassinou duas crianças; o suicídio do cliente, Ralph Agee, após ser condenado pela irresponsabilidade de um advogado; a ação parcial de um comitê de ética e o envolvimento de Kirkland com uma de suas integrantes, Gail Packer (Christine Lahti), são os ingredientes com que Curtin/Levinson utilizaram para construir um roteiro perfeito. Sem demagogia ou panfletarismo, as colocações em relação aos desmandos da justiça, a proteção aos poderosos, vai num crescendo conferindo ao filme uma importância que transcende a sociedade americana e chega a qualquer país onde também a "justiça para todos" não passa, também, de uma frase recitada por crianças... como na seqüência inicial, aliás admiravelmente construída. Aos 54 anos, desde 1962 realizando longa-metragens, Norman Jewison entre muitas comedias insonsas ou políticas ("Os Russos Estão Chegando", 1966), há 13 anos já realizava uma análise contundente da sociedade americana no premiado "No Calor da Noite" (In the Heat of the Night, 67). A versatilidade de Jewison, capaz de passar do musical ("Um Violinista no Teclado", "Superstar") a ficção cientifica ("Rollerbal, os Gladiadores do Futuro") ou a análise do sindicalismo ("F.I.S.T.", 1976) tem mostrado sua extraordinária competência artesanal, capaz de construir filmes bem acabados, personagens delineados. Mas neste "Justiça Para Todos" transpõe as barreiras que geralmente conduzem obras que abordam temas jurídicos ao risco de caírem no maniqueismo e na monotonia, devido às longas sessões de tribunais. Mesmo havendo uma clara definição de um lado o advogado Kirkland, em seus trajes amarrotados, seu idealismo e sua solidão - o seu relacionamento mais profundo é com o avô Sam (Lee Strasberg, em notável atuação) - e de outro o juiz Fleming, não se pode classificar os personagens de "... And Justice for All" de maniqueistas ou caricatos. Nisto os roteiristas foram precisos, conseguindo através de um simples diálogo, um rápido detalhe, oferecer ao espectador a informação que permite o pleno entendimento de toda uma idéia. A filmografia sobre temas jurídicos é ampla e lamentamos que até hoje, ao que nos conste, não tenha sido feito nenhum estudo mais profundo. Aliás, um professor e advogado da cultura de René Dotti, um dos mais respeitados juristas do Brasil, bem que poderia realizar um estudo a respeito, já que como ex-jornalista e homem de teatro, sempre mostrou uma grande identidade com temas sobre a justiça no cinema, ao longo das centenas de filmes que tem abordado o assunto, ajudaria até a situar melhor, esta corajosa realização de Norman Jewison, que, lançado ano passado nos EUA, obteve grande repercussão, duas indicações ao Oscar e polemica nos meios jurídicos. No Brasil, ou ao menos, em Curitiba, passou em brancas nuvens, quando os diretórios acadêmicos de nossas faculdades de direito, bem que poderiam promover debates, levantar os assuntos em que o filme toca. Mas talvez o temor de vestir a carapuça seja maior do que a disposição de realizar um trabalho cultural paralelo... LEGENDA FOTO 1 - Pacino e Christian: injustiças na lei.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
9
05/11/1980

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