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Aramis

Literatura, contradições e a denúncia política nos médias

Dos seis médias metragens, 16mm, inscritos para o XVI Festival de Cinema Brasileiro de Gramado, dois acabaram não tendo suas cópias aprontadas a tempo, de forma que só serão vistos num próximo festival - Rio-Cine ou Brasília: "Bandeiras Verdes", de Murilo Santos e "Dinheiro Invisível", de Hilton Kauffman. Em compensação, nos quatro médias apresentados no auditório do Centro de Convenções Serrano, estão diferentes visões do cinema, seja em forma de ficção ou realidade, trabalhos realizados com esmero e que independente dos resultados financeiros merecem ser exibidos para um público maior do que os privilegiados que têm acesso a festivais. Como aqui havíamos previsto, o grande vencedor na categoria foi "Carlota-Amorosidade" do paulista Adilson Ruiz - que, em outubro/87, no XX Festival do Cinema Brasileiro de Brasília, já havia conquistado as principais premiações. E agora levou quatro dos cinco Kikitos que, a partir de 1987, foram instituídos para a categoria de média-16mm, no festival gaúcho: melhor filme, direção, fotografia e montagem. Por decisão unânime do júri e aplausos do público, pois realmente "Carlota-Amorosidade" é um dos mais inteligentes e bem realizados filmes-tese desenvolvidos em torno de um assunto intelectual, mas que Ruiz, professor da Unicamp e deliberadamente um cineasta que optou pelo suicida (em termos financeiros) campo do média metragem realizou com imensa competência. Fundindo núcleos básicos de dois textos importantíssimos - o triângulo amoroso de "Werther", o clássico romance que Wolfgang Goethe (1749-1832) escreveu há 215 anos, com reflexões do filósofo e semiólogo francês Roland Barthes em "Fragmentos de Um Discurso Amoroso", "Carlota-Amorosidade" é o exemplo daqueles filmes-puzzle, um desafio ao raciocínio do espectador, mas com uma imensa beleza, interpretações marcantes (Chiquinho Brandão, Ceres Ramos, José Rubens Chasseraux e, aparecendo apenas os lábios, Maria Alice Vergueiro). Da obra de Barthes, bastante lida e discutida já no iníco dos anos 80, outro cineasta, Maurício Farias, realizou o curta "A Espera", com Marieta Severo no papel central - levado a Gramado há dois anos. Estes dois filmes se complementam em sua temática e, mesmo em abordagens diferentes, formam um programa ideal para serem levados a cursos de literatura e comunicação. Aliás, a professora Cassiana Licia Lacerda Carolo, da Universidade Federal do Paraná, sempre bem informada e preocupada em tornar mais atraentes suas aulas, já pensa em fazer uma programação com os filmes de Ruiz e Maurício Farias no segundo semestre. xxx Mesmo sem obter nenhuma premiação, o média "Cajueiro - um Quilombo na Era Espacial", da jornalista Lisa Torok, foi um documentário surpreendente. Mostra as contradições de uma cidade tombada pelo Patrimônio Histórico, Alcântara, no Maranhão, conviver hoje com uma base espacial para lançamento de foguetes. Trabalhando com uma mínima equipe e um orçamento que não ultrapassou a 1.200 OTRs, Lise conseguiu um resultado excelente, numa linguagem fluente e jornalística, utilizando fotos e material jornalístico de arquivo, oferecendo um documentário que em seus 45 minutos fornce elementos e informações sobre a convivência - nem sempre harmoniosa - de um "país" primitivo, representado por mais de 80 comunidades rurais da região de Cajueiro, repentinamente modificados em sua forma de vida por uma base espacial. Assim, "Cajueiro, um Quilombo na Era Espacial", mostra, através de imagens e depoimentos, o processo de mudança social, numa obra atualíssima. Por coincidência, no domingo, 19 de junho, quando iniciava o festival de Gramado, "O Globo" publicava uma reportagem ("Alcântara resurge como projeto espacial"), no qual era detalhado o projeto de, entre abril/junho de 1999, o Ministério da Aeronáutica inaugurar aquela base com o lançamento experimental do foguete Sonda III - num investimento de US$ 215 milhões, dos quais US$ 80 milhões em obras. Sem colocar posições radicais - mas como boa jornalista, usando a câmara para documentar fatos - Lise Torok fez um média metragem atualíssimo, que merece ser visto e discutido. xxx Outro média levado a Gramado, que mesmo sem obter premiação, encontrou simpatia junto a alguns espectadores foi "Bruxas", de Mauro Faccioni Filho, paranaense de Apucarana, 28 anos, engenheiro elétrico, radicado há 7 anos em Florianópolis, cidade na qual vem desenvolvendo vários projetos cinematográficos. Ligado a "Turma do Balão Mágico", de Curitiba, Faccione já levou "Bruxas" ao Festival do Cinema Brasileiro de Brasília e, há 2 meses, conseguiu exibí-lo por uma semana na Cinemateca do Museu Guido Viaro. Apesar de arrastado em seu ritmo, "Bruxas" perto do imaginário e fantástico mundo de mitos que marcou a obra do falecido artista plástico catarinense Franklin Cascaes - tema de uma tese da professora Adalice Araújo, crítica de artes plásticas e que agora deixou a direção do Museu de Arte Contemporânea. xxx O média de maior impacto apresentado em Gramado foi "PSW-Uma Crônica Subversiva", de Paul Halm e Luiz Arnaldo Dias Campos, alunos do curso de cinema da Universidade Federal Fluminense, e que teve produção de José Jofilly Filho. Ao contrário do que aconteceu com o deputado federal Rubens Paiva (1922-1971?), cujo seqüestro e "desaparecimento", há anos é motivo de notícias e de um inquérito inconcluso - além do sucesso do livro (e posteriormente da peça) "Feliz Ano Velho", escrito por seu filho, Marcelo, ter tornado mais famoso (agora ampliado com o filme de Robert Gervitz, premiado em Gramado), o seqüestro e "desaparecimento" do deputado Paulo Wright (1923-1973), catarinense de Joaçaba, cassado em 1964 e que foi um dos mais destacados parlamentares da Assembléia Legislativa em Santa Catarina, permanece praticamente ignorado do público - apesar da existência de um centro de estudos em sua memória, em Joaçaba. Justamente, por resgatar esta política corajosa e vítima da revolução (desapareceu em 4/9/1973 e supõe-se que foi torturado até a morte no DOI-COI, em São Paulo), o filme "PSW- Uma Crônica Subversiva", interpretado por Antonio Fagundes (como o deputado Stuart), Renato Borghi, Maria Padilha e Antonio Abujamra (como seu irmão, o pastor Jzime Wright, da Comissão de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo e coordenador do livro "Brasil, Nunca Mais"), deverá ser programado em todas as salas alternativas. Premiado como melhor roteiro, "PSW - Uma Crônica Subversiva" deverá ter uma próxima exibição em Curitiba, já que o produtor José Joffily Filho, há duas semanas, ao encerrar o curso prático de cinema que orientou na Cinemateca, acertou o seu lançamento em sua conversa preliminar com o Sr. Francisco Alves dos Santos. Só se espera que não haja mais uma canalhice por parte da Fucucu ao invés de lançar este média metragem, em programação normal numa das salas da Fundação, a mesma seja confinada à incômoda Cinemateca - há muito necessitando de uma reforma. LEGENDA FOTO 1 - Antonio Fagundes (como o deputado Paulo Wright Stuart) e Antonio Abujamra (como seu irmão, o pastor Jaime) em "PSW - Uma Crônica Subversiva". LEGENDA FOTO 2 - Mauro Faccioni Filho e fotógrafo Cido Marques nas filmagens de "Bruxas". LEGENDA FOTO 3 - Alcântara, patrimônio histórico, convivendo com um centro especial - tema para um documentário reflexivo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
07/07/1988

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