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Aramis

Mais do que modismo, é o samba de muita categoria

Há um mês, fazendo um dos melhores shows já vistos no Clube Curitibano, Beth Carvalho insistiu em falar em pagode antes de cantar algumas de suas melhores músicas. Para um público classe A, pouco habituado a modismos musicais, a palavra até poderia parecer estranha. Há dez quadras do Curitibano, na avenida Marechal Floriano, um antigo forró é agora o Carangueijão II - A Casa do Pagode, onde nos fins de semana, o pagode come solto. Tanto o candidato comunista Márcio Almeida, buscando sua reeleição à Assembléia Legislativa, como simpático radialista Cláudio Ribeiro, postulante pelo PDT, não dispensam um musical apelo para reuniões musicais com possíveis eleitores: "Pagode da Democracia". Enfim, o Pagode é a nova expressão musical. Nova, em termos de consumo, pois como forma musical e utilização nada mais é do que a reunião de gente que tem samba no pé - e que desde os tempos das festas da Tia Ciata, no Rio de Janeiro do início do século, já faziam as rodas-de-samba vibrarem. O marketing do Pagode - Pode até ser acusado de modismo. Pode-se alegar que o fato da RGE, principal gravadora a acreditar na onda do Pagode ter suas indiretas ligações com o poderio promocional da Globo, ser responsável pelo boom do pagode - desde o início do ano no Rio de Janeiro, agora já em São Paulo e começando a chegar, como marketing de consumo musical, no Paraná e outros Estados. José Luis Ferreira, gerente de vendas da RGE - a gravadora que primeiro acreditou e lançou os pagodeiros da praça - garante: - "Não é modismo e no depender de nós ainda vai acontecer muitas coisas." Numa fase em, que multinacionais como a WEA, CBS e Polygram se preocupam com a briga de foice do descartável, supérfluo e, na maioria das vezes, totalmente medíocre rock brasileiro, é estimulante e salutar ver a música brasileira, o samba atingir vendagens expressivas e ser ouvida nas rádios. Assim, Almir Guineto, já com quatro elepês- dois na RGE (o mais recente saiu há um mês) ganhou o Disco de Ouro da Associação Brasileira de Produtores de Discos, por haver ultrapassado a marca dos 100 mil Lps vendidos. O já veterano grupo de Quintal, com seu quinto Lp ("Divina Luz") também terá o mesmo troféu. E a revelação Zeca Pagodinho, chamado por alguns fãs mais entusiastas de um novo Noel Rosa, também beliscou as 100 mil cópias em menos de três meses. Milton Manhães, produtor de visão, foi quem convenceu a RGE, uma etiqueta paulista que hoje está associada, indiretamente, à Globo (é de propriedade de João Araújo), ter uma linha pagodeira, que inclui duas cantoras de vigor - Jovelina Pérola Negra e Eliane Machado, mais Mauro Diniz, Pedrinho da Flor, Jorge Aragão, e o grupo A Toca do Coelho - todos programados para terem discos individuais até o final do ano (Eliane e Jovelina já estão com seus lps na praça). Mas gente famosa há tempos havia se ligado ao pagode. Lembro-me que há 4 anos, em canela, na Festa Nacional do Disco, Beth Carvalho estava sempre ao lado de Almir Guineto, então um ilustre desconhecido. Beth passou a freqüentar a roda dos pagodeiros do Cacique de Ramos, escolheu bons sambas da rapaziada e fez o grupo Fundo de Quintal tornar-se o seu acompanhante oficial. João Nogueira e Martinho da Vila também entenderam o movimento - e o pernambucano Bezerra da Silva, 49 anos, criador do estilo Sambandido, repleto de gírias e histórias dos morros cariocas, outro campeão de vendas pela RCA, também está na mesma escola. Pagode como proposta - Advogado, compositor, cantor, pesquisador dos mais sérios Ney Lopes - um estudioso da cultura popular que tanto na voz como no trabalho lembra Elton Medeiros (embora os dois não sejam amigos), foi um dos primeiros, já 1984, a estudar o pagode. E a convite de João Baptista Vargens, produziu um alentado estudo a respeito - "Pagode, o Samba Guerrilheiro do Rio", que ocupa 20 páginas do excelente volume "Notas Musicais Cariocas" (Editora Vozes, 1986, 156 páginas). Fazendo um retrospecto do samba dentro da indústria cultural desta década, das relações entre criação-divulgação: Ney Lopes busca definir o que pode ser pagode. E explica que mesmo significando "divertimento, brincadeira, pândega", o pagode, dentro da boa terminologia carioca, pode ter explanações mais amplas. Por exemplo, João Baptista Vargens, no livro sobre o compositor Antonio Candeia Filho (1935-1978) - ainda inédito, mas com lançamento previsto para 1986 pela Funarte - diz que "Pagode é a comunhão, interação. Pagode é o oposto resumitivo de todas as definições arquitetadas pelo dicionarista: uma brincadeira, uma caçoada, onde se adoram deuses (como nos templos) dentro de determinadas regras, de rituais próprios. Congraçamento de Deus pagão e do Deus Maior batizados pelo humano, cônscio de sua força e fraqueza". Apesar de origens que remontam aos anos 20, o pagode, em sua forma de fundo de quintal parece ter nascido no final dos anos 60, na casa de seu Alcides, na Rua Arnaldo Quintela, em Botafogo, no legendário "Cantinho da Fofoca". Ali, em torno de uma grande mesa, reuniam-se instrumentistas, cantores e compositores na maior informalidade. E seu Alcides defendia uma graninha vendendo Cerveja. Depois, no mesmo esquema, surgiu o "fundo de quintal" do Bloco Carnavalesco Cacique de Ramos. E a experiência foi repetida no Clube do Samba, no Méier e em outros locais. Só que ninguém pensava em transformar a expressão pagode em gênero musical. E, só agora, com uma necessidade de marketing fonográfico-artístico em criar motivações, é que Pagode virou esta instituição. O importante, porém é que o pagode passou a ocupar o espaço - e que possa crescer cada vez mais.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
21/09/1986

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