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Aramis

As marchadeiras e a "revolução" de 1964

Poderia, em outros tempos, ser motivo de frustração. Hoje, com os ventos da Nova República e ascensão das esquerdas no Poder, até que muitas senhoras que entre 1963/64 faziam tremular faixas de protesto ao governo João Goulart nas enfurecidas "Marchas com Deus Pela Democracia", devem estar respirando tranqüilas ao folhearem aos 180 páginas de "Deus, Pátria e Família", de Solange de Deus Simões (Editora Vozes, janeiro/86) e não encontrarem citações de seus nomes. Mas se as marchadeiras paranaenses que há 22 anos deram, em Curitiba e outras cidades sua contribuição ao movimento político-militar de desestabilização do governo João Goulart não foram citadas por Solange de Deus Simões em seu livro - com o subtítulo de "As Mulheres no golpe de 1964", as cariocas, paulistas e mineiras não foram poupadas. Embora numa linguagem acadêmica, sem qualquer preocupação panfletária ou de retalhamento (ao contrário, buscando entender as razões que levaram as senhoras da classe superior a se integrarem ao movimento contra o governo Goulart) Solange faz sua tese de mestrado (pena que não haja identificação maior a respeito: quando, onde, em que disciplina etc.) se constituir num precioso documento, se não o primeiro, ao menos dos mais completos num dos aspectos até hoje pouco estudados em relação à história recente do Brasil. A pesquisa de Solange de Deus Simões se centrou especialmente sobre a Campanha da Mulher pela Democracia (Camde-Guanabara), União Cívica Feminina (UCF-São Paulo), o Movimento de Arregimentação Feminina (MAF-São Paulo), a Liga da Mulher Democrata (Limde-Minas Gerais), a Ação Democrática Feminina Gaúcha (ADFG-Rio Grande do Sul) e a Cruzada Democrática Feminina (CDF-Pernambuco). A UCF, de todas estas entidades, foi a que teve um plano de expansão, previamente estudado, aproveitando elementos preparados e treinados em seus cursos. Assim fundou núcleos no Interior de São Paulo, expandiu-se também para Curitiba, com núcleos em Ponta Grossa, Paranaguá e Londrina. xxx Numa pesquisa detalhada, Solange vai refazendo os passos das diferentes entidades ligadas a organismos de direita - especialmente o Instituto Brasileiro de Pesquisa, o IPES - que dividia com o IBAD, a aglutinação das forças mais retrógradas no início dos anos 60, mas com imenso poder financeiro e uma sólida organização estratégica. A estratégia do IPES de arregimentação das camadas médias para a ação política apelava, essencialmente, para valores internalizados na população, através do uso exaustivo das interpretações Deus, Pátria e Família. Acreditando no poder arregimentador dessas interpelações, as classes dominantes organizadas no IPES utilizando-se de toda a mídia sob seu controle, procuravam demonstrar às classes médias (mas não apenas a elas) que aqueles graves problemas que o País enfrentava, fosse a crise econômica ou a crise política, eram frutos do advento de uma "República Sindicalista" que rapidamente se implantava no Brasil, sob o governo Goulart e o avanço do nacional-reformismo. Essa pretensa República Sindicalista seria, de acordo com a propaganda da burguesia, a primeira forma assumida por um "consumismo ateu" que "aboliria as classes sociais", proletarizando as classes médias, que separaria os filhos dos pais, destruindo a família, e que, por fim, proibiria o livre exercício das religiões, destruindo, assim, de maneira radical e total, os supostos valores ocidentais e cristãos da sociedade brasileira. Esse apelo ideológico que se fez às classes médias, e também aos trabalhadores era amplamente reforçado pela conjuntura internacional de guerra fria. Naquele contexto mundial se buscava a afirmação da sociedade cristã, ocidental e capitalista, através da caracterização do comunismo soviético como o responsável pelos grandes males sociais e políticos - as classes médias já vinham há anos aprendendo a responsabilizar o comunismo internacional por todas as desgraças e catástrofes em curso no mundo. xxx Aos leitores com mais de 30 anos, razoavelmente politizados, a tese-livro de Solange de Deus Simões não traz muitas novidades - apenas reúne em ordem cronológica o que a imprensa diária (e semanal) divulgava na época. Mas para uma nova geração, que ainda não teve uma necessária informação sobre o processo que levou à queda do governo João Goulart. Um exemplo da paranóia anti-comunista da época é traduzida numa declaração feita pela sra. Eudoxia Dantas, vice-presidente da Camde, entrevistada pela autora - demonstrando, 20 anos depois, sua boa fé no que acreditava na época (e que pelo visto, continua a crer): - Se os comunistas fizessem a revolução eles iam matar 250 mil criaturas. E nós (as mulheres da Camde) seríamos as primeiras. E a gente sabia que eles iam matar, degolar as mulheres e pendurar nas janelas que era para mostrar justamente o que esperava a quem traísse a eles.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
25/01/1986

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