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Aramis

Márcio, a bossa dos bons tempos

Na história da música popular brasileira dos anos 60, um nome ainda não teve o reconhecimento merecido: Aluízio Porto Carreiro, médico psiquiatra, violonista amador e sobretudo entusiasta estimulador de muitos talentos. Em sua agradável casa, no início da década de 60, se reúnem jovens que desejavam músicas. Gente que se tornaria conhecida: Aldir Blanc, Luiz Gonzaga Jr. (Que chegou a se casar com uma de suas filhas), Ivan Lins, Lucinha Lins e tantos outros que semanalmente se encontravam na casa da Rua Jaceguai, Rio. Dali saiu o MAU - movimento musical que explodiria em sucessos nas últimas edições do FIC, quando muitos hoje superstars eram então estreantes tímidos. Nem todos os frequentadores das reuniões musicais da casa de Porto Carreiro seguiram, entretanto a música em termos profissionais. Alguns, mesmo nem tentaram. Mas houve os que procuraram equilibrar outras atividades com (bissextos) trabalhos musicais. Márcio Proença é o melhor exemplo. Há quatro anos, quando fez seu primeiro lp independente (Paladar Produções Artísticas), na contracapa, seu amigo e parceiro Aldir Blanc recordava que suas músicas são bonitas, "porque verdadeiras". Dizia Aldir: - "O Márcio é o legítimo compositor popular, coisa que muito moleque com verba e campanha publicitária tenta mas não emplaca". Realmente o disco de Márcio foi um dos melhores lançamentos de 1981. Trazendo participações especiais de Lucinha Lins, Aldir e Luiz Gonzaga Jr., nos remetia as imagens sonoras da melhor da Bossa Nova, mas sem deixar também de ser social. Agora, neste início de ano, "Eterno Diálogo", novamente produção independente (PPA), temos um punhado de excelentes composições que confirmam o talento e a seriedade deste autor-intérprete que sem tentar caminhos profissionalizantes, tem uma obra das mais admiráveis. Violonista, cantor e sobretudo excelente harmonizador buscou, mais uma vez, a carinhosa participação de amigos dos tempos das reuniões da rua Jaceguai. Assim é Lucinha Lins, uma cantora cada vez melhor, que interpreta duas das mais emocionantes canções: "Boca de Cena" e "Blusa de Cetim". Ambas parcerias com o letrista Marco Aurélio. "Boca de Cena" tem uma das mais bem construídas letras, com imagens fortíssimas - da mesma dimensão de "Eu Te Amo" (Chico Buarque), ao falar da renuncia de um sofrido amor ("Vou até confessar que saí/do seu palco/pra poder demonstrar que já sei/representar/descobri que devia deixar/seu teatro/sua boca de cena, pequena demais"). Mas se Lucinha Lins está ótima em sua participação, maior emoção ainda nos traz Nana Caymmi - de longe a mais densa intérprete da MPB - ao cantar "Águas Partidas", parceria de Márcio/Marco Aurélio e Paulo Emílio), com uma letra que a coloca, desde já, entre as melhores canções do ano: "A despedida é uma deusa/despida dos dias de maio/descalça dos dias de junho/adeus, desesperado adeus/A despedida é um navio/que parte pra longe da vista/e some nas águas partidas/adeus, desesperado adeus". Fátima Regina, jovem e promissora cantora, divide com Márcio e interpretação de "Fogos de Artifício", outra parceria com Aldir e Marco. As demais faixas são interpretadas pelo próprio Márcio - que altera o romantismo, com o humor satírico, tão ao estilo de seu parceiro Blanc, como delicioso e cortante "Na Cama do INPS" - que, salvo engano, é a primeiras música que sai com citação de Tancredo (Neves) na letra. Um samba-exaltação em homenagem a um dos mais criativos artistas plásticos brasileiros - Mello Menezes - é outro momento brilhante deste disco, que reuniu afetivas participações especiais e arranjos esmerados, especialmente o pianista Darcy de Paulo. Duas letras - Fogos de Artifício" e "Na Cama do INPS" foram censuradas por dona Solange para execuções públicas. Infelizmente, a censura maior é das próprias emissoras que mesmo recebendo este belíssimo álbum não o programam como merece. E com isto canções como as acima citadas - ou "Salvo Conduto", "Baile Comum", "Eterno Diálogo" e "Sentença" - ficam desconhecidas. Um disco indispensável a quem sabe apreciar a melhor MPB e como dificilmente será encontrado em nossas precárias lojas (que nunca sabem prestigiar a produção independente) pode ser solicitada e Paladar Produções Artísticas. (Avenida Franklin Roosevelt, 39 - sala 1.215 - CEP 20.021 - fone 220-727 - Rio de Janeiro).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
27
10/03/1985

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