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Aramis

Marina e Verônica , o belo e moderno canto

É necessário, sempre, estar de ouvidos atentos - e limpos em termos de preconceitos - para entender as mutações sonoras de cada época. Por exemplo, para quem entende a MPB em termos de interpretação tradicional, admitindo-se como padrões únicos de canto feminino uma linha que vai de Dalva de Oliveira a Elizeth Cardoso, a audição de cantoras jovens como Marina Lima "Todas", Polygram) ou a estreante Verônica Sabino ("Metamorfose", Polygram) pode chocar. Para não dizer irritar. Entretanto, sabendo-se ouvir não faltará atendimento para se perceber a modernidade, intensidade e sensibilidade que fazem com que estas duas jovens procurem dar em suas canções a mesma emoção que Dalva passava num "Bom Dia" ou que Elizeth coloca num clássico como "Nossos Momentos". É tudo uma questão de palavra e de momento. Marina Lima já é conhecida. Tem apaixonados e também críticos ferozes. Com seu irmão, o poeta Antonio Cícero, há mais de 5 anos que Marina traz canções vigorosas a nova MPB. Filhos da classe média superior, longa vivência nos Estados Unidos (Cícero é formado em filosofia nos EUA, ex-professor no RJ), apresentam sempre uma música extremamente burilada - que se não toca na primeira vez vai subindo lentamente nos sentimentos. Sente-se isto, mais uma vez, nas 10 faixas deste "Todas" - trabalho que sucede ao "Fullgas"(1984), quando Marina estreou na Polygram. Seis são parcerias Marina/ Cicero: "Difícil", "Correndo Atrás" - na temática urbana, da cidade grande; "Já Fui ", tema do filme "Com Licença Eu Vou à Luta", de Lui Farias; "Muda Brasil", um rock forte, rasgado, irado e atual (mas sem ser demagógico); "Onde", quase um blue na perda do amor da pessoa amada; "Avenida Brasil", novamente a cidade grande, numa regravação de uma música já conhecida. Com a participação de Nico Resende, "Por Querer" é outra faixa de amor, enquanto "Doida de Rachar", é uma versão de Marina de "Maxine" (Donald Fagen). Roqueiros da novíssima geração também presentes como autores: "Nada por mim" (Herbert Vianna/ Paula Toller) e " Eu Te Amo Você" (Kiko Zambianchi). Num momento crítico da PMDB, em que o rock mais supérfluo invade espaços, é preciso entender Marina como um meio termo aceitável: sua música é jovem, curtida pela garotada, mas não se dilui apenas no rock. Ao contrário, sua voz personalíssima, letras bem cuidadas valorizam sua presença. Verônica, filha caçula do jornalista e escritor Fernando Sabino, era aquela voz graciosa do Céu da Boca - que há quatro anos passados fez um dos dez melhores discos de 1981. Infelizmente o Céu da Boca, com 12 integrantes, não resistiu e dos saldos ficou Verônica, que se agarrando firme à disposição de cantar chega agora a um jovem, colorido e iluminado lp: "Metamorfoses". Produção do baixista Luiz Avellar autor também de três das faixas escolhidas - este é o disco-momento de uma cantora que mostra ótimo preparo vocal. A própria formação jazzística (Fernando é um dos mais entusiastas jazzófilos no Brasil) está presente em floreios vocais como o que Verônica faz numa releitura de "Samba do Verão", de Antonio Carlos Jobim, numa interpretação em que dividindo com a guitarra de Ricardo Silveira e bateria de Carlinhos Bala, temos uma interpretação up to date deste clássico da Bossa Nova. Outra prova de versatibilidade de Verônica é a releitura de "Coisa Feita" (João Bosco/ Aldir Blanc/ Paulo Emilio), cuja letra rápida e engatilhada encontra na velocidade vocal de Verônica a interpretação perfeita. Aliás, na mesma linha é "Achados e Perdidos", parceria de Avellar e Aldir Blanc, com a participação de Ivan Lins - que, por sua vez é autor de "Vitoriosa" (parceria com Vitor Martins), segunda faixa do lp. Bosco/ Aldir Blanc em "dois Mil e Índio" com a irreverência característica, como do próprio Raul Seixas na faixa "Metamorfose Ambulante"; o som afro de Altay Veloso e o [romantismo] de Caetano Veloso (Muito Romântico) ao lado de "Heróis" e "Palco" (Alvellar), complementando um repertório vibrante, de uma cantora de garra e voz - além de tudo belíssima e que bem produzida nas fotos de André Wanderley, aparece na capa com uma extraordinária sensualidade. Enfim, uma estréia nota 10.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
20
01/09/1985

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