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Aramis

Memórias de Scliar, o gráfico e o cineasta

Desde que chegou a Curitiba, na tarde de quarta-feira, o pintor Carlos Scliar está desdobrando-se para atender múltiplas solicitações. Poucos artistas plásticos são tão estimados como este gaúcho de prestígio internacional, um dos grandes mestres da pintura brasileira e que apesar da fama se mantém simples cordial e amigo - características dos verdadeiros talentos. Na noite de quarta-feira, um de seus mais caros discípulos, Carlos Eduardo Zimmermann - um dos nomes da nova geração de artistas paranaenses em projeção nacional - o recebeu com um jantar. Na quinta-feira, houve, o vernissage de suas 18 novas telas (Galeria Momento Arte - Alameda Dom Pedro II, 250, Batel) e ontem Scliar queria rever amigos queridos, que aqui fez no início dos anos 40 - especialmente José Curi e Armando Ribeiro Pinto. xxx Mais do que o artista consagrado e que em 48 anos de vida profissional já fez mais de 5 mil obras espalhadas pelo mundo, Scliar sempre foi um apaixonado pelas artes gráficas A história da imprensa brasileira, no que concerne a publicações refinadas e inovadoras está ligada a sua contribuições - e basta citar que foi ele quem estabeleceu aquilo que chama de "jurisprudência gráfica" em torno da "Senhor", lançada no final dos anos 50 e até hoje uma revista insuperada pelo padrão tanto editorial como, principalmente, técnico. A respeito da fase da "Senhor" - na qual participaram dois jovens paranaenses, Valêncio Xavier e o então repórter Sebastião França (hoje assessor da área cultural da Embrafilme), Scliar tem lembranças interessantes, que mereceriam, inclusive, um estudo mais profundo - para preencher um capítulo que falta na história da imprensa brasileira. Por exemplo, quando o editor Koogan, procurado por Nahum Siroski para financiar o projeto de uma revista sofisticada, que inexistia nos anos 50, e indicou para bancar a publicação a seu sobrinho, Simão Weiseman, Scliar teve que fazer o boneco do número zero em poucas horas: - Examinei algumas revistas que se faziam na época - como a "Esquire" americana e a "Realité" francesa, e parti para uma proposta própria. Quando Simão Weiseman viu o boneco não teve dúvidas: aprovou o projeto com a condição de que Scliar assumisse a direção de arte da revista. Carlos topou, mas exigiu que se integrassem à equipe três jovens nos quais depositava confiança: Jaguar (na época, iniciando sua carreira de humorista nas páginas da "Manchete", então a toda-poderosa revista nacional), uma jovem que havia chegado há pouco de Nova Iorque, Bea Feitler (e que faria carreira como designer internacional) e Glauco Rodrigues, gaúcho, cujos trabalhos Scliar já conhecia. O primeiro número da "Senhor" levou 24 dias na gráfica. No segundo houve uma redução para duas semanas e a partir do terceiro em 6 dias a revista ficava pronta. Uma equipe dos melhores jornalistas - comandados por Paulo Francis e Luís Lobo, entre outros - garantia a parte de textos e "Senhor" emplacou como a grande revista, trazendo as maiores inovações. Até hoje, apesar de todas as tentativas, aquela publicação não foi superada. Scliar fez 15 edições e só saiu quando a Petit Galerie lhe ofereceu um contrato que lhe possibilitaria se dedicar apenas a pintura. - Eu queria fazer meus quadros e apesar do fascínio jornalístico e das perspectivas que a "Senhor" me oferecia, achei que era a hora de partir para uma carreira profissional. E profissionalmente Scliar foi o primeiro artista plástico a estabelecer regras rígidas para o seu trabalho. Sem fazer concessões aos marchands, trabalhando apenas com profissionais honestos, inovou na fixação de preços por tamanhos de suas telas (as 18 que estão na Momento Arte variam de Cz$ 37.500,00 a Cz$ 380.000,00 conseguindo, nestes últimos 17 anos estabelecer-se de tal forma que só aceita expor quando a galeria adquire, antecipadamente, pelo seus preços de tabela, todos os quadros para a mostra. Para ajudá-lo na administração - haja visto que é um dos mais requisitados artistas brasileiros tem a ajuda de seu filho adotivo, Francisco, 30 anos, responsável por toda administração de sua obra Embora "Senhor" tenha sido a experiência mais fascinante e longa na carreira de Scliar na área jornalística, ele participou de várias outras publicações. Recorda, inclusive que em janeiro de 1942, quando já estava alistado para servir na FEB, na Itália, passou algumas semanas em Curitiba, época em que planificou graficamente uma revista chamada "Idéia", da qual saíram apenas três números. Imaginem quem estava junto no projeto? - Claro, o José Curi ajudando na parte comercial. Mais o José Paulo Paes e Glauco Flores de Sá Brito. Entre os colaboradores, Samuel Guimarães da Costa e Armando Ribeiro Pinto. No primeiro número de "Idéia" um texto inédito: o primeiro capítulo de "Terras do Sem Fim" que Jorge Amado, então exilado na Argentina, lhe havia enviado para divulgar no Brasil. xxx Servindo com a FEB, na Itália, Scliar foi cabo da artilharia. Esteve no campo de batalha, viu amigos morrerem e, nas horas de repouso, fazia desenhos, "que eram uma forma de eu escapar daquele horror" - e que viria a publicar, anos depois com textos de seu amigo Rubens Braga, correspondente de guerra. Sobre Scliar já há mais de uma dezena de livros - desde monografias e ensaios modestos até obras de arte. Agora, antes mesmo de completar os 50 anos de carreira (gaúcho de Santa Maria, 1920, fez sua primeira individual em São Paulo, em 1939), preparam-se mais três livros sobre sua obra. Seu amigo Eric Nepomuceno, ex-Abril, ex-Globo, escritor e jornalista de trânsito internacional, trabalha num livro exclusivamente sobre os 15 painéis monumentais que ele criou: - Cada um foi uma aventura. Será um livro de aventuras - diz, brincando. Outro intelectual respeitável, Marcus de Lontra Costa (que, aliás, assina um dos textos de apresentação do catálogo da mostra de Scliar, na Momento-Arte) analisará seus últimos 20 anos de pintura. E o próprio Scliar faz um livro sobre a gravura, arte da qual sempre foi um dos entusiastas - fundador do Clube da Gravura em Porto Alegre. Cinema é outra paixão de Scliar. Quando residiu em Paris (1946/50), se tornou amigo de Henri Langlois e Georges Franju (falecido na semana passada), fundadores da Cinemateca Francesa. Ao lado do documentarista holandês Joris Ivens fundou uma associação internacional e, com um então jovem cineasta que havia feito um belo curta sobre Van Gogh, chamado Alain Resnais, planejou um filme sobre os gravuristas mexicanos - que acabou não se realizando. No Brasil, enquanto seu irmão, Salomão, realizava um longa histórico ("Caminhos do Sul") Carlos também participava de projetos cinematográficos: dirigiu o documentário "Escadas", em 1944, co-realizado com Rui Santos, sobre a pintora portuguesa Maria Helena Vieira da Silva; com o mesmo Rui Santos - hoje, aposentado, seu vizinho em Angra dos Reis - fez o roteiro de um curta-metragem sobre Segall e o documentário "24 Anos de Luta", sobre o Partido Comunista Brasileiro - do qual fez parte por muitos anos. Cinéfilo entusiasta, Scliar já foi personagem de quatro documentários sobre sua arte: em 1965, em "Três Artistas" (os outros dois eram Djanira e Antônio Bandeira), de Dib Lufti; "Ouro Preto e Scliar",1969, de Antônio Carlos Fontoura; "Os Caminhos da Cor", 1970, de Adamastor Camará e, por último, em 1969. "Scliar, o homem e a obra'", de seu amigo Rui Santos. xxx Amigo dos maiores nomes da vida cultural brasileira nestas últimas cinco décadas, realizado como artista plástico - dividindo-se entre suas casas-ateliers em Angra dos Reis e Ouro Preto, Scliar é uma personalidade fascinante, papo de muitas horas. De sua obra plástica, nem é necessário falar: espalhada em museus e nas melhores coleções (só Gilberto Chateaubriand possui 300 de suas peças), é um artista em constante valorização. E, sobretudo, uma personalidade fascinante - daquelas pessoas com quem faz bem conversar e, principalmente, ouvir a sua vivência do mundo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
15/11/1987

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